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1.10.2007

 
PALAVRA DE NEGRO

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por Oliveira Silveira, no livro
Negro em Preto e Branco, de Irene Santos

Afora o trabalho braçal dos quatro séculos em que trabalho era sinônimo de negros construindo o Brasil para beneficiários de outras raças, etnias ou procedências nacionais, a imprensa, a literatura, outras artes e formas culturais demonstram eloqüentemente a participação negra na vida brasileira enquanto manifestação de seres pensantes, expressão de sensibilidade e ação por vontade própria.

A partir do século XVI (16 em arábico) o negro criou a liberdade de Palmares - estado, país, reino, república... - adentrando e ocupando nisso toda a centúria seguinte. E nesse mesmo XVII, os anos 1600 no calendário parcial dos cristãos, a oratura negra das letras de lundu, a literatura oral ou oralitura, como diz a afro-mineira Leda Martins, estavam bem presentes, com certeza. Já no setecentismo, o século XVII dos minérios, o maior brilho é do escultor, o artista Antônio Francisco Lisboa, o alejadinho. Na literatura e na música, já aparece o sangue negro em Caldas Barbosa e José Maurício, respectivamente.

No século XIX (19 em arábico), quando nasce verdadeiramente a literatura brasileira, o primeiro romancista é o negro Teixeira e Souza, mulato. E o primeiro editor nacional é um negro, o mulato Francisco de Paula Brito, justamente o precursor, também, da Imprensa Negra. Seu jornal, O Homem de Cor,1833, mudado para O Mulato ou o Homem de Cor. Tudo em lições de mestre Oswaldo de Camargo, escritor negro paulista, em o Negro Escrito , livro de 1988. Paula Brito, editor aina de A Marmota Fluminense, o seu jornalismo em ação. A pesquisa da jornalista negra Ana Fraga Magalhães Pinto para o mestrado em História na Universidade Nacional de Brasília, UNB, localiza novos títulos inclusive em 1833.

O maior escritor da época ou além dela, um polígrafo, senhor dos gêneros liteários e do estilo é o homem negro Machado de Assis. Mulato, negromestiço,negróide, ou misto afro... é tudo negro no Brasil. E tem Luiz Gama, Cruz e Souza - um continuum literário, artístico, cultural, em crescendo, impondo-se aos séculos XX e XXI. Sim, vinte e vinte e um.

Se ainda no século dezenove (XIX) José do Patrocínio era escritor, empresário e jornalista negro dono de jornais - Gazeta da Tarde , 1877-1887, e A cidade do Rio, 1887-1903- ou se o poeta Cruz e Souza tinha escritos abolicionistas ou simplesmente literários em jornais de Florianóplis , em Porto Alegre quem marca forte é o grupo do jornal O Exemplo. Cobrindo com interrupções e fases de o período 1892 a 1930, O Exemplo é iniciativa e organização de negros . Antecipa-se à importante imprensa negra paulista e paulistana: O Baluarte, Campinas,1903, A Pérola, São Paulo, 1911, O Menelick a seguir, O Clarim da Alvorada mais adiante.

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O Exemplo, exemplar, fo seguido por outros órgãos gaúchos como os pelotenses A Cruzada, 1905, e A Alvorada, 1907, ou A Revolta, 1925 em Bagé, A Navalha, 1931 em Santana do Livramento - informes de Marco Antônio Lírio de Melo, revista Porto e Vírgula nº29, novembro de 1996.

Em O Exemplo (mais vinculado ao meio negro nos primeiros tempos), do diretor inicial Arthur de Andrade à derradeira direção de Dario de Bittecourt, o grande destaque é para a visão, a coerência, o espírito crítico e combativo de Esperidião Calisto, um barbeiro jornalista muito politizado. E tem literatura, humor, informes sobre teatros e clubes como o Floresta Aurora.

Se a imprensa negra de São Paulo acelerou com O Menelick, O clarim de Alvorada, A Voz da Raça ( da Frente Negra Brasileira)) e seguiu em frente, e se, no Rio de Janeiro, Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro lançaram o também histórico Quilombo, 1948-1950, com sucedãnios na cena carioca e fluminense (SINBA, Boletim do IPCN, na década de 70), no Rio Grande do Sul houve , parece um hiato a partir de 1930. ou nos faltam registros. Mas a partir dos anos 60 sabe-se de informativos de clubes - sociedade Floresta Aurora, Clube Náutico Marcílio Dias, associação satélite Prontidão... O Ébano é de 1962.

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Marco inequívoco é Tição, de Porto Alegre( grupo Tição, 1977 -1980). Revistas Tição em 1978 e 1979, dois números, e a publicação única do jornal Tição em 1980. Apresentação cuidada , boa diagramação e conteúdo envolvendo história, debate sobre racismo, questões sociais, políticas e culturais em geral, reafirmaram a possibilidade de uma imprensa negra vigorosa, renovada, séria e rica em abordagenstemas e profundidade.

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Referência importantíssima Tição dialoga com a imprensa negra da década: o anterior e clandestino A Árvore das Palavras, Afro-Latino-América (in Versus), Jornegro, todos paulistas, e outras publicaçãoes do Rio já citadas, sobre as quais Amauri Mendes Pereira poderia falar melhor. Asim Tição participa, muito significativamente dessa história jornalística longa e heróica em nosso País.

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Continuum literário nos séculos XX e XXI ccc ( calendário capenga dos cristãos ou calendário capenga cristão para quem prefere as coisas mais ajustadinhas). É que além dos citados Machado de Assis , Luiz Gama e Cruz e Souza o século dos anos 1900 teve o romancista e cronista Lima Barreto, poetas como Líno Guedes e Solano Trindade, seguidos por nomes como os de Oswaldo de Camargo e Carlos de Assumpção que iniciando antes mas juntando-se aos novos, fazem uma ponte para a literatura negra contemporânea. Negra ou de negros.

O vigor dessa fase iniciada nos anos de 1970 é atestado pela obra de escritores como Cuti, Éle Semog, Geni Guimarães, Arnaldo Xavier, Paulo Colina , Adão Ventura, Míriam Alves José Carlos Limeira, jônatas Conceição, Edson Cardoso Conceição Evaristo, Salgado Maranhão, Lepê Corrêa, Elisa Lucinda, Eustáquio Lawa (Eustáquio José Rodrigues), Edimilsom de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo, Lande Onawale, Cristiane Sobral... A lista é longa.Os citados representam os omitidos, injustiças à vista. E Cadernos Negros, com o Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa na trincheira representam uma periodicidade anual iniciada em 1978, alternando conto e poesia nas 27 edições completadas em 2004 com a marca do grupo Quilombhoje, em São Paulo.

Machado em seu tempo já escrevia peças teatrais. Em meados do século XX Abdias do Nascimento escreveu e fez montagens com o grupo do TEN. Rosário Fusco, Romeu Crusoé e Ironildes Rodrigues são também autores desse período rico. E Cuti, Joel Rufino dos Santos e outros fazem a dramaturgia contemporânea.

No Rio Grande do Sul, o poeta Luiz da Motta publicou comédia em O Exemplo (coleção 1902-1905). O mesmo jornal registra atividade teatral na sociedade Floresta Aurora desde o final do século XIX, resultando num duradouro Centro Dramático do clube em começos do sécolo XX. e desde o início o semanário ostenta poemas de negros, seções humorísticas delicosas, prosa variada. Semanário de LeoPardo taz em livro de 1926 as crônicas de Paulino de azurenha, escritas em estilo primoroso entre 1905 e 1909 para o Correio do Povo . Mais uma preservação de Aníbal Damasceno Ferreira. Preciosidade. O negro ou o misto afro Azurenha - LeoPardo - estava ao lado de Caldas Júnior na fundação do Correio e continuou como redator do jornal.

Na útima fase, 1916-1930, O Exemplo publica também autores brancos, alguns poetas da época, e seria preciso estudar a freqüência de negros em suas páginas. Para a lacuna entre os anos de 1930 e 1960, é bom lembrar que Antônio Lourenço, redator do jornal nos anos 20, publica sonetos no Correio do Povo ao menos na década de 70 e início dos anos 80, quando falece. Haverá outros autores entre o período Vargas e a ditadura militar de 1964? Pesquisar. A partir de 1965 o Teatro Saci fez bonito vencendo um festival Martins Pena ou montando a peça Um Cravo na Lapela, do dramaturgo branco Pedro Bloch, organizado sob a presidência de Eloy Dias dos Angelos e tendo Horacilda do Nascimento como vice-presidente a atriz Eni Maria de Neves e o ator Airton Marques representam os seus demais colegas nessa citação.

Da mesma época, surgindo em 1964 ou 65 é o GTM, Grupo de Teatro Marciliense, liderado por Luiz Gonzaga Lucena e integrantes do clube náutico Marcílio Dias. Aírton Silva e Geci Lemos exemplificam voz e talento no GTM. Pois o GTM e Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora (com os irmãos Mauro Paré e Marilene Paré, entre outros) montaram juntos lá por 1969 o Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, no theatro São Pedro, tendo Aírton Marques como Orfeu. O ator negro gaúcho Breno Melo desmpenhou esse papel no cinema em orfeu no carnaval, de Marcel Camus, produção franco-brasileira. O filme ganhou Palma de Ouro em 1959 no festival de Cannes. Lá por 1971, ano em que surgiu o Grupo Palmares, de Porto Alegre , lançando a data 20 de novembro, foi possível assistir uma atividade teatral no Floresta em que sobressaiam o talento do ator não burilado e o potencial de Jorge Antônio dos Santos.

O Grupo Cultural Razão Negra inicio como Nosso Teatro em meados dos anos 1970 com a dramatização do conto Esperando o Embaixador, de Oswaldo de Camargo, montando na sequência três peças escritas e dirigidas por um componente do próprio grupo, Jaime da Silva: E Agora Negra? (1979) e O Convite (já em 1980) e uma outra intitulada o It...

A década de 70 já tem na poesia o trabalho de Alsina Alves de Lima, que em 1966 já mostrava um poema sobre a condição feminina em obra coletiva, Nossa Geração, do Diretório Estadual de Estudantes (RS). Talvez não tenha conseguido publicar seu livro Roda d'Água, de modo que, após sua morte, torna-se mais precioso o volume 6 dos Cadernos Literários do Instituto Cultural Português, editado em Porto Alegre em 1982. Ali estão um comentário crítico de Antônio Soares sobre a escritora e uma valiosa coleção de 15 poemas datados:1966 a 1981. Em Meu Poema, de 1971, ela diz:

Sendo pobre e mulher/ e sendo negra
quero meu poema/ como quero a vida
sem cercamentos/ sem desencontros
sem segregação
.

Palavra de negra. E numa em que se apareceriam, dos anos 80 ao final do século, autores como Paulo Ricardo de Moraes, poeta e contista com experimentações no texto dramático e na área de vídeo; Ronald Algusto, poeta inventivo, inquiridor da linguagem, com incursões também na crítica literária, além de compositor e intérprete musical; Maria Helena Vargas da Silveira, com poemas e prosa vária- contos, crônicas e outras utilizações artísticas da palavra; ou Jorge Fróes, inédito em livros mas com poemas e contos esparsamente.

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SANTOS, Irene (Org.). Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: Do Autor, 2005.
Créditos Imagens: Irene Santos

1.09.2007

 
VERA DAISY BARCELLOS

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Revista Palmares: Cultura Afro-brasileira,
Editoria Fala Negra, página 84-86
Foto: Irene Santos

Jornalista, militante do Movimento Negro desde a década de 70, editora da revista Tição. Atuou por 16 anos no jornal Zero Hora, foi editora responsável pelos projetos especiais do jornal A Voz da Serra. Assessora de imprensa de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras/RS.

O telefone toca. Largo o teclado do computador e atendo. É a Fernanda, da Fundação Palmares me ligando. Às voltas com inúmeras tarefas e com o pensamento nos prazos a cumprir, demoro a atender o que ela me pede. Um artigo com duas laudas, diz ela, sobre a minha trajetória de vida ... com mais de 50 anos de estrada, tento escapar... não tenho muito a contar, penso. Fernanda insiste – “fale de sua vida profissional, de sua trajetória como militante” - e eu só me ligo no prazo. Tento me esquivar não gosto de falar na primeira pessoa. Prefiro relatar fatos de outros, escrever notícias, reportagens... tenho outros artigos para fazer e ouço Fernanda dizendo que o prazo de entrega é, também, para “ontem”.

Por que será que é sempre assim? Dezembro parece ser o mês das conclusões apressadas. O décimo segundo mês do ano é apressado pelos sinos de natal. Tudo tem que se definir antes do dia 25. é a revista que está para “fechar”, é o relatório que tem para estar pronto... é este texto que deve chegar na segunda-feira, via on-line, em Brasília...

E com esse inicio, a história da minha vida começa a ser construída, vou aproveitar para exorcizar alguns fantasmas que teimam em me acompanhar e fazer desse texto um reencontro com a minha memória e ela aponta que a luta pela minha independência começou muito cedo.

Com quatro anos já fugia de casa. As saídas para a rua me fascinam até hoje. Cruzava com minhas curtas pernas a travessa que ligava a minha rua com a casa-grande, onde minha mãe era cozinheira, doceira, lavadeira e passadeira. E ali ficava quietinha e escondida no jardim com flores cujos nomes não lembro mais. Entre o cinco filhos que teve, minha mãe fez uma escolha que definiu meu destino. Ela não lia nem sequer escrevia seu nome, mas atenta sabia das coisas do mundo, das batidas, dos tambores, dos segredos das ervas e das benzeduras. Percebeu nas minhas fugas infantis que eu definia o caminho e o pouso que buscava. E seu coração abriu mão de mim... sábia a minha mãe. Levei muitos anos para entendê-la e compreender o porque de seu gesto. Hoje sei.

Não vaguei pelo mundo porque a casa-grande me abrigou. Cabelos trançados e fitas coloridas, vestidos floridos. Lembranças de minha infância. A menina ganhou corpo e cresceu. Minha história não é muito diferente das muitas adolescentes negras criadas por famílias brancas. Já vi semelhanças em tantos outro relatos de mulheres negras bem-sucedidas.

O trabalho da casa era dividido entre os adultos na propor cão da idade e à medida que se crescia. Venezianas escovadas. De joelho, palhas de aço passadas no assoalho de madeira. O brilho da cera no chão e nos móveis antigos. Múltiplas vidraças lavadas e várias varrições nas calçadas da rua. As faxinas, o aprender nas lidas da cozinha. O brincar solitário no quintal entre pintos, patos e galinhas. As laranjas e bergamotas descascadas sob o Sol morno de outono, as estações virando... e o ciclo da vida se fazendo, aos oito anos fui alfabetizada. A descoberta das letras me levou a muitos livros e eles foram o passaporte para se concretizar muitos de meus sonhos.

Entre as lidas do trabalho domestico fui traçando passo a passo, meu roteiro estudantil: inicialmente o Primário no Grupo Escolar Luciana de Abreu – que mais tarde vim a descobrir que era uma professora negra que quando bebê foi abandonada na rosa dos expostos na Santa Casa de Misericórdia, depois o Ginásio marcado pelo latim, mais tarde a opção pelo Clássico porque odiava Matemática, atualmente nem tanto, e a entrada na Universidade publica vencendo a barreira concorrida do vestibular e da prova especifica para o jornalismo.

A profissão – a escolha da profissão foi marcante. Há 37 anos, ao contrário de hoje as mulheres eram poucas no mercado jornalístico. E negras ainda mais, como hoje são em números reduzidíssimos. O conselho familiar branco se opôs, com vigor, à minha vocação e recomendava o caminho considerado mais apropriado para “as moças negras e direitas”: o Magistério. “ Vá ser professora menina. Jornalismo jamais; é profissão de homem!”, diziam.

A rebeldia juvenil, no entanto mostrou sua cara e rompeu com o padrão. E quando o regime militar arrochava os direitos dos cidadãos civis no Brasil, entrei na faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O ano de 1968 e as transformações no mundo, mais uma vez aconteciam. No bar do Antonio – ainda existe na UFRGS – e no prédio da antiga Filosofia divergíamos do regime, sofríamos a repressão do DOPS e vimos companheiros nossos desaparecer nos porões da ditadura. Aprendemos muito...

Três anos depois com diploma na mão, era a primeira mulher negra a entrar na Redação do Jornal do Comércio, meu primeiro emprego. E por alguns anos esta ação se repitira nos muitos veículos de comunicação de Porto Alegre por onde passei: mulher e negra.

Escalada para cobertura jornalística esportiva, faço escola no reduto masculino do futsal, do ciclismo, do vôlei, do basquete e do automobilismo.
Em busca de comentário imediatos entro nos vestiário, nos intervalos das partidas, junto com meus colegas, homens, constrangendo, de inicio, técnicos e atletas, mas rompendo barreiras de gênero. Com o passar do tempo eles se acostumam com a constante presença de uma repórter negra. As coberturas esportivas e de carnaval – uma outra paixão – são um marco na minha carreira profissional.

Dos clubes sociais e esportivos, várias homenagens ao meu trabalho. Associações esportivas que antes me barravam pelo fato de ser negra, abriam suas portas... é claro que isso só acontecia quando eu mostrava o crachá do veiculo onde trabalhava,ou então quando o porteiro assistia a minha chegada no carro da empresa.

Por 16 anos sem interrupções, acompanhei de perto a carreira de vários ídolos do esporte amador gaúcho e brasileiro. Concomitante com o jornalismo esportivo me dediquei ao serviço público, atuando na área de assessoria de imprensa e divulgando as atividades da área social do Governo Federal. Apesar de ter feito todo o projeto para a montagem e Assessoria de Imprensa, a chefia só será exercida por um período de um ano, exatamente, quando a instituição está para fechar suas portas.

A militante – a militância no movimento negro é fruto do despertar para a questão racial e da constatação de que era preciso fazer mais para rompermos com o racismo e discriminação racial existentes no País. Também foi ressonância das leituras e da motivação que vinha das mobilizações que eferveciam no continente africano e na América do Norte. “black is beautiful”. Lelia Gonzales, Oswaldo de Camargo, Florestan Fernandes, Abdias Nascimento, Martins Luther King, Nelson Mandela, Agostinho Neto, Samora Machel, Ângela Davis, Steve Biko, Malcon X... entre tantos outros. Nomes admirados e guias para nossa retomada do movimento negro no país. O engajamento na luta acontece no inicio dos anos 70. Participo dos encontros do Grupo Palmares, acompanho de perto a proposição para que o 20 de Novembro seja um contraponto ao 13 de Maio. Discussões, reuniões, viajens para São Paulo, para o Rio de Janeiro, Salvador. A mochila nas costas e o fomento pela criação do Movimento Negro Unificado. De lá para cá, muita caminhada. Contatos com companheiros jornalistas negros, a convergência de idéias para a publicação da Revista Tição, um marco na imprensa alternativa gaúcha na década de 70 e até hoje lembrada. Divergências, o vício do reunismo, rompimentos,e lá vamos para outros grupos – Rua do Perdão, YaDdu entre tantos outros – em busca de projetos e ações concretas para incrementar a luta pela igualdade social.

Em toda esta minha trajetória, eu gostaria de ter tido mais tempo de me dedicar à causa, bem como de ter estudado e ter pesquisado mais, mas a luta pela sobrevivência prevaleceu. Há muito mais para contar, como a vivencia por um período de quatro anos dividindo a sociedade de uma empresa na área de comunicação social no interior do Estado num município que tem sua origem, no inicio do século XX, marcada pelos projetos que incentivaram e favoreceram a vinda de imigrantes italianos, alemães, poloneses, russos e judeus em detrimento à mão-de-obra negra.

De volta a Porto Alegre, a retomada com fôlego jornalístico, através da assessoria de imprensa para Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras e pela participação no projeto Negro em Preto e Branco – A História fotográfica da População Negra em Porto Alegre, idealizado e fotografado pela fotógrafa negra Irene Santos, sucesso editorial gaúcho do segundo semestre de 2005. Aos 55 anos casada, mãe de Juliano, 21 anos, sinto-me renovada e estimulada a trabalhar sempre e ser, sem perder o rumo, cada vez mais militante.

1.04.2007

 
NOVOS QUILOMBOS DE ZUMBI

por Deivison Campos, jornalista e professor da Universidade Luterana do Brasil, publicado originalmente na Revista Comemorativa aos 35 anos da Consciência Negra - 2006 - Seppir/Governo Federal.

As comemorações do dia 20 de novembro surgem, nesse cenário, em contraposição ao treze de maio. Simbolicamente, pretendiam romper com a idéia de liberdade concedida na abolição por uma concepção de liberdade conquistada, tendo em Palmares e Zumbi seu referente. Através da evocação da imagem do quilombo, propunham reestabelecer uma memória coletiva, guardada principalmente na oralidade para transformá-la em memória pública. Buscavam demonstrar, com isso, que havia mais a ser contado do que nos era dado a conhecer pela cultura oficial.

A revisão histórica, proposta pelo Grupo Palmares de Porto Alegre, em 1971, objetivava recuperar a auto-estima étnica e, com isso, tirar a maioria dos negros do imobilismo político e da acomodação aos espaços concedidos por uma sociedade desigual. Os jovens universitários que fundaram o grupo (Oliveira Silveira,Ilmo da Silva e Vilmar Nunes) buscavam uma motivação e uma referência local para canalizar as influências dos movimentos negros internacionais, da contracultura, principalmente a valorização da diferença, e suas próprias inquietações pessoais. O mito de Zumbi e de Palmares é reatualizado num uso funcionalista, para atender essa necessidade.

As políticas de urbanização, implementadas em Porto Alegre, a partir da década de 40, influenciaram diretamente na rearticulação do movimento negro, que havia sido desarticulado no golpe de 1964. As comunidades tradicionais foram para as áreas ainda mais distantes. Em seu fluxo para o trabalho e lazer, tendo o Centro como referência de transporte coletivo, os negros acabaram por criar grupos de interação nesse espaço de convergência.

Ao mesmo tempo em que provocou a pulverização das antigas comunidades em regiões mais periféricas e a desagregação de suas populações, o processo de urbanização criou demandas de identificação para os negros, que antes eram atendidas especialmente. Os referenciais de lugar não mais existiam, restava a referenciação simbólica.

Na conjunção desses elementos simbólicos com a busca por soluções às várias demandas socioeconômicas vivenciadas pela população negra, um grupo de jovens universitários organiza o Grupo Palmares em 1971. A entidade surge com a proposta de construir um novo caminho para o atendimento dessas necessidades sem, com isso, ter que abrir mão de sua condição étnica.

O surgimemnto e as articulações do Grupo Palmares devem ser compreendidos dentro de seu tempo e do contexto local e global. Na década de 70, desemboca uma série de processos, movimentos e manifestações, iniciados com o final da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a ditadura militar acabava com os últimos focos de oposição armada contra o regime, desarticulando toda a "esquerda" que havia optado pela guerrilha como alternativa de construção de uma nova sociedade. A ofensiva contra esses grupos abriu espaço para outros movimentos que se posicionavam, igualmente, contra a ditadura, mas buscavam atuar dentro da esfera legal. Muitos desses grupos enfatizavam a diferença - feminino, homossexual, negro, etc.

A ação de subverter à esfera política e social, realizada pelo Palmares e pelo movimento negro como um todo na década de 70, deu-se principalmente pelo viés cultural, em função do discurso romper com a idéia de uma cultura nacional oficial. A subversão do discurso oficialista deu-se através das três iniciativas: a releitura da história do país, a reelaboração da identidade étnica e a tradução dos ideais dos movimentos negros da diáspora e mesmo na África.

O grupo baseia sua ação na proposta de rever a história brasileira para, com isso, demonstrar aos negros o passado de resistência às diferentes realidades opressoras. Na visão do grupo, o contexto de opressão se mantinha intocado. Os negros, no entanto, haviam se acomodado à marginalização imposta pela estrutura social. O caminho apresentado pelo grupo para a socialização plena do negro na sociedade propunha a retomada dessa tradição de resistência, simbolizada na história pelo Quilombo dos Palmares.

A releitura histórica se dá, num primeiro momento, pela exaltação da biografia de negros que participaram ativamente da história do Brasil, passando num segundo momento a recuperar iniciativas de resistência ao escravismo. Palmares e Zumbi, símbolos desde o primeiro momento, tornam-se também modelos de estruturação de uma nova relação entre os negros e de negociação com a sociedade: resistente e comunitarista.

O Grupo Palmares identifica no quilombo o referencial para construção dessa nova identidade, baseada numa idéia de resistência à realidade opressora, principalmente, no plano simbólico. As ações dos quilombolas, segundo o livro Mini-História do Negro Brasileiro lançado pelo grupo em 1976, são "uma prova de resistência" cultural do povo negro, cujas tradições sobrevivem apesar de submetidas a perseguições no passado e a intença ação descaracterizadora ainda hoje.

Afirmam ainda, através do manifesto de 1974, publicada no Jornal do Brasil, que "Não tendo como outros grupos étnicos, a proteção da tradição histórica, [grande parte dos negros] assimilam o sistema de valores do branco esquecendo seus próprios valores". A partir desse pressuposto, organiza-se a estratégia de, através da revisão historiográfica, "reavivar as verdadeiras raízes culturais do negro brasileiro" (idem), porque "tomando consciência desses fatos [...] vai participar de outra maneira da sociedade brasileira, auto-valorizando-se o que é uma atitude mais positiva do que se integrar às custas de uma alienação cultural". (matéria publicada no Jornal do Brasil, em 13/05/1973).

As informações sobre os movimentos negros na diáspora e na Africa também serviram para dinamizar o processo. As vitórias de movimentos nacionais contra os colonizadores na África e por, outro lado, os movimentos pelos direitos civis nos EUA mostraram ser possível resistir e vencer em estruturas bem mais hostis dos que as enfrentadas no Brasil.

Ao traduzirem essas manifestações e não simplesmente imitá-las, o movimento negro brasileiro reforçou a idéia de uma cultura negra resistente e da existência de um poder negro, ligado a uma tradição refenciada numa África mítica. Se o retorno não acontece na prática, reforça simbolicamente o processo de reafricanização dos negros da diáspora, incluindo o Brasil, consolidando o sentimento de pertencimento a uma origem comum, a base da etnicidade.

A centralidade dos meios de comunicação na cultura contemporânea, a partir desse período, deve ser levada em conta por ter possibilitado fluxo de informações. Por outro lado, é através da imprensa que o Palmares consegue sua legitimação e reconhecimento. Num primeiro momento, foi utilizada como fórum de divulgação de pesquisas passando depois do primeiro manifesto, publicado em 1972 , a ser utilizada como campo de disputa. Esse uso da imprensa pode ser considerado subversivo, pois já nesse período, havia se tornado o principal espaço público da sociedade e, portanto, umas das esferas de sustentação do discurso dominante.

O primeiro ato evocativo ao 20 de Novembro, em 1971, foi restrito e localizado. A estadualização da proposta ocorreu no ano seguinte com a publicação de um caderno especial no Jornal Zero Hora. O caderno deu visibilidade ao grupo que em 13 de maio de 1973 concedeu uma entrevista ao jornal do Brasil, denunciando sua contrariedade as comemorações e ao simbolismo do 13 de maio. Inicia aí o processo de nacionalização, que é reforçado pela publicação do manifesto de 20 de Novembro de 1974 no mesmo jornal e pela realização, a partir de 1975, de semanas do negro por entidades paulistas e cariocas. A consolidação nacional da data ocorre com a criação da MNU, em 1978, que adota a proposta do 20 de Novembo.

A idéia do movimento permeia a trajetória do Grupo Palmares, considerando-se a questão espacial (da periferia ao centro), temporal (atualização de um passado idealizado) e política (da acomodação à ação). Também um posicionamento subversivo, no sentido de enfrentamento no sentido de modificar uma situação pré-existente, está presente desde o surgimento do grupo em julho de 1971, a partir de reuniões realizadas na Rua dos Andradas, perto do local onde hoje é denominado Esquina Democrática, em Porto Alegre.

As transformações buscadas pelos Palmares podem ser resumidas na possibilidade dos negros ocuparem novos lugares sociais do que os concedidos historicamente. A proposta mantém-se até hoje como devir, por alterar o lugar de memória do negro na formação social brasileira e ameaçar o status quo das elites. Ao completar 35 anos de luta pelo direito de ser negro e cidadão brasileiro, os novos quilombolas de Zumbi mantêm as tarefas histórica apontadas por Florestan Fernandes, em seu estudo. A integração do negro na sociedade de classes: "desencadear no Brasil a modernização do sistema de relações raciais; e de provar que os homens precisam identificar-se de forma íntegra e consciente, com os valores que encaram a ordem legal escolhida".

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