4.03.2006

 
A MÍDIA QUE NÃO OLHA PARA O NEGRO
A MÍDIA MÍOPE PARA AÇÕES AFIRMATIVAS


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por Oscar Henrique Cardoso(*)

Pensar em comunicar a sociedade brasileira sobre a necessidade de se discutir a ampliação das políticas de Ações Afirmativas é um desafio a todos àqueles que lutam pela promoção da Igualdade Racial no Brasil. Neste mérito, não podemos deixar de incluir a fundamental importância da mídia como uma formadora de opiniões e também transmissora de conhecimentos. Mas, sobre este tema tão importante, Ações Afirmativas, não é o que se vê na realidade.

Ao abrirmos um jornal pela manhã, folhear uma revista semanal, ouvir um noticiário no rádio ou na TV, não encontramos o tema Ações Afirmativas em uma pauta principal. É claro que estando próximo a mais um dia 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, toda a mídia procura as assessorias governamentais, grupos não-governamentais e militantes do Movimento Negro para ressaltar, como se faz todo o ano, a figura de Zumbi dos Palmares. Falamos de Zumbi herói, do Zumbi que lutou pela liberdade. De Zumbi que transformou Palmares em um sonho real de liberdade. Considero sim importante falarmos em história, mas por que também não falamos em realidade? Na realidade de um Brasil racista e excludente? De um Brasil onde um trabalhador negro ganha menos da metade do salário de um trabalhador branco. Por que não tiramos as vendas de nossa sociedade e não puxamos enfim, isso falo como mídia, um debate real sobre a implantação de políticas de Ações Afirmativas em nossa sociedade?

Serei mais ousado em minha proposta. Falar de cotas para a inclusão de negros nas universidades, ouvindo negros e negras que estudam, que trabalham, que pagam os seus impostos, não dá notícia? Não vende a primeira página de jornal? O que na realidade vende jornal? As notinhas implantadas dentro dos gabinetes governamentais de Brasília. Os mesmos fuxicos e boatos que o cenário político despeja todos os dias. E então quando se assiste a um telejornal de grande audiência no país e se vê uma discussão em torno da implantação de um sistema de cotas ser reduzida a um debate meramente político, onde não se ouviu os reais interessados no assunto, mas correntes opositoras à implantação do sistema, as quais não contribuem para uma iniciativa concordada pelo Estado Brasileiro.

Ao participar da Conferência de Durban, em 2002, o Brasil, cuja delegação foi a maior do planeta, composta por quase 500 membros, pactuou e concordou com a existência de uma política racista e discriminatória para com a fatia negra da sociedade, que representa mais de 45% dos brasileiros, de acordo com o IBGE. O que vemos hoje, a implantação do sistema de cotas para o ingresso de jovens negros nas universidades públicas não é um favor ou uma benemerência aos pobres negros sofridos que não podem pagar uma instituição particular. Também não é a prova de se permitir o ingresso de cidadãos com baixo poder intelectual nas universidades. O que vemos é o cumprimento de um compromisso internacional pelo qual o Brasil ratificou a partir da Conferência de Durban. Pergunto: Esse viés é explicado nas matérias jornalísticas que ouvimos e lemos? Não. Tudo é "massificamente" reduzido a uma questão de melanina e de pele.

Ou pior, ainda se ocupam os espaços midiáticos para declarar que o sistema de inclusão deveria ser aplicado aos mais pobres, como já ouvi, também deveria ter cotas para os brancos pobres.

Que horror. Que absurdo o nosso "espírito tupiniquim social". Não somos sociais e tampouco inclusivos, isso falo como jornalistas, em defender uma política de cotas sociais. O que o sistema propõe é uma reparação, provisória, de uma discrepância social. Afinal, e peço desculpa aos "pseudo não-racistas", a miséria e a pobreza tem cor, tem melanina sim. E é negra. São os negros que compõem o maior contingente carcerário, são os negros que morrem ainda de causas não identificadas e não estudadas pela medicina brasileira, são os negros que mais lotam as filas de desempregados, pois não são selecionados pela "boa aparência" descrita nas notas de jornal com vagas para emprego, são os negros que menos freqüentam os bancos escolares e, como conseqüência de tudo isso, são também os negros que menos tem acesso à universidade e a formação em profissões de linha de ponta na sociedade.

Isso a nossa grande mídia não fala. Dá publicidade ao crime organizado, mas não fala na real razão do crime, da exclusão e da miséria. Não fala que só se tira uma camada da pobreza e só se forma novos cidadãos através da educação. Educar também é oportunizar que jovens negros, favelados ou não, de classe média ou não, possam cursar uma faculdade. E implantar o sistema de cotas não significa tão somente dar espaço para que o mesmo curse uma graduação superior. É implementar também o acesso deste jovem a estágios e a programas que garantam a sua permanência nos bancos universitários. Isso é compromisso do Estado Brasileiro. Não é "pires e nem xícara na mão". Não estamos como negros pedindo nada. Pelo contrário, através da reparação afirmativa, estaremos sim construindo um Brasil mais plural, um país mais verdadeiro e mais honesto com a sua própria história. Um país que acolheu a todos os imigrantes e a todas as raças. Não um país que vendeu a sua melhor fatia aos europeus e deixou aos negros as sobras e os dejetos de uma burguesia.

Levar para a casa dos brasileiros a verdadeira realidade sobre a exclusão social e explicar a todos que a implantação do sistema de cotas como um conjunto de Ações Afirmativas para minimizar as desigualdades é compromisso da imprensa sim. Vender jornal e vender revista também é colocar a nossa "cara negra" na capa. Não com matérias que nos penalizem e só fiquem contando as mazelas pelas quais somos vitimados. Queremos compor os leads e subleads da informação com a real importância das Ações Afirmativas. A Lei 10.639, de 9 e janeiro de 2003, por exemplo, pode render uma bela reportagem de capa. Tem muito pequeno grupo, muita ONG trabalhando e ajudando o Estado a implantar o ensino da cultura e da história na sala de aula. Tem muito negro que se forma médico e está ofertando trabalho voluntário a quem precisa. Onde estão? Jornalistas e comunicadores, saiam de suas tocas, saiam de trás das mesas confortáveis das redações e busquem nas ruas os questionamentos que estou colocando neste artigo.

Saiam e vejam que a sociedade brasileira tem que implantar, por um certo período, as políticas de cotas para o ingresso de negros e negras nas universidades públicas, saiam para as ruas e vejam que o ensino da cultura e da história afro-brasileira tem que ser desmistificado nas salas de aula. Saiam as ruas e vejam que o povo negro está oprimido na favela e está refém dos esteriótipos que foram grudados em nossas cabeças.

O momento é de questionar e de passar a nossa história a limpo. Como jornalista, saúdo e reflito nosso importante papel na formação social deste país. Graças a nossa apuração, derrubamos um presidente corrupto - o mesmo voltou ao cenário político atual, pedimos Diretas Já. Ao mesmo tempo, somos incapazes de debater Ações Afirmativas com os nossos leitores. Somos incapazes de ouvir militantes do Movimento Negro, especialistas em Questão Racial. Somos incapazes de dar voz e vez aos negros e as negras que clamam, que cobram, que exigem cadeiras nas universidades públicas.

Somos capazes de denunciar, mas incapazes em revisar, em passar a limpo o racismo que existe em nossa sociedade. Jogamos esta "sujeirinha" para debaixo do tapete.

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(*) Oscar Henrique Cardoso, natural de Porto Alegre/RS é jornalista, radialista e atual assessor de Comunicação Social da Fundação Cultural Palmares/Ministério da Cultura, em Brasília/DF. È responsável pela execução de projetos em Comunicação Social junto ao Governo Federal, voltados para a cultura e a história afro-brasileira. Edita o Portal da FCP/MinC e o blog A CASA DO OSCAR, no endereço www.acasadooscar.blogspot.com

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