4.04.2006

 
Paulino Cardoso: "Muita celebração, pouca política"

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Paulino Cardoso

ENTREVISTA realizada por Diony Maria Soares, Jornalista, especialista em Antropologia Social e mestranda em Educação (Universidade Federal de Pelotas) e publicada no www.irohin.org.br

O professor Paulino de Jesus Francisco Cardoso, da Universidade de Santa Catarina (Udesc), é membro da Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados aos Afro-Brasileiros, ligada ao Ministério da Educação, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Udesc, e um dos animadores do Consórcio de Neab’s, uma articulação composta por 47 dos principais centro de estudos africanos e afro-brasileiros das universidades brasileiras. Doutor em História pela Pontifícia Católica de São Paulo, Paulino Cardoso participou das duas edições da Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora - a CIAD.

Em 2004, no Senegal, em Dakar, ele foi convidado a debater o tema 2, Contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21. No Brasil, em Salvador, o Bloco A ( Das origens até 1850) da mesa temática 3 (Novos rumos da historiografia da África e da Diáspora), que aconteceu no dia 13 de julho, pela manhã, no auditório Xangô II, do Centro de Convenções.


O Ìrohìn conversou com o professor Paulino Cardoso e, entre outros temas, solicitou que ele fizesse um balanço sobre os avanços (ou não) obtidos nos dois anos que separaram Dakar de Salvador, salientasse características que assemelham ou diferenciam os dois eventos e expusesse as suas expectativas para o futuro sobre as relações políticas entre os países africanos e os que integram a Diáspora.

Ìrohìn - Professor, diante da atual conjuntura política internacional, qual o balanço que o senhor faz sobre os avanços (ou não) verificados nas principais temáticas debatidas em 2004, no Senegal?

Paulino Cardoso - Em 2004, tomei conhecimento sobre a 1ª Conferência de Intelectuais Africanos e da Diáspora, por intermédio dos professores doutores e africanistas Carlos Moore, na época, consultor do Ministério da Educação, e Acácio S. Almeida Santos, vice-coordenador da Casa das Áfricas de São Paulo. Organizada pela União Africana, o evento teve como tema "A África no século 21: Integração e Renascimento" e reuniu cerca de 700 pessoas.

Naquela Conferência discutiram-se seis temas: 1. Pan-africanismo no século 21; 2.Contribuição dos intelectuais africanos e da Diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21; 3.Identidade Africana em um contexto multicultural; 4.O lugar da África no mundo; 5.As relações da África com suas diásporas 6.África, ciência e tecnologia.

Neste caso, nada muito diferente da acontecida em Salvador, nos últimos dias 12,13 e 14 de julho. No entanto, a coincidência termina aí. Nós, intelectuais da Diáspora Africana, saímos de Dakar com muitas propostas em mente, entre elas, a de conferir aos afro-descendentes do mundo, a condição de sexta região da União Africana. A II CIAD no Brasil parecia encaminhar nesta direção.

Outro aspecto que não pode ser ignorado, como disse uma colega da comissão que debateu "A contribuição dos intelectuais africanos e da diáspora para a consolidação da integração africana no contexto do século 21", foi uma certa ambigüidade existente na conferência. Era um encontro de intelectuais, muitos deles ligados ou exercendo cargos públicos, financiados e organizados por instituições estatais. Tal aspecto "tensionou" as discussões e, de algum modo, vinculou a agenda dos pesquisadores aos problemas sofridos pelos governos.

Não por acaso, a cerimônia de abertura e a mesa redonda com chefes de estado que se seguiu teve um forte impacto entre os participantes. Para mim, que não havia experimentado esse contato direto com lideranças de países tão diferentes como Líbia (por teleconferência), Mali, Ruanda, Uganda, África do Sul e Cabo Verde, os discursos foram impactantes e contribuíram para repensar o modo como eu imaginava o continente e nossas relações com ele.

Infelizmente, não consegui anotar todas as recomendações apresentadas pelos relatores dos grupos. E mesmo que quisesse, muito do que foi produzido não estava nas plenárias, mas nos muitos debates e acordos que ocorreram nos corredores, durante as refeições e inúmeras atividades paralelas.

Os intelectuais do continente centraram sua reflexão nas formas de implementação da integração efetiva da África. Seguindo a orientação de Abdoulaye Wade, M. Gadafi, Thabo Mbeki e outros, muitos defenderam a necessidade da integração total do continente, criando instrumentos que levassem à criação dos Estados Unidos da África. Para tanto, defenderam a importância de se estudar os processos de integração econômica que deram certo (por exemplo, Mercado Comum Europeu), assim como a integração das universidades e a adoção de línguas francas, não-étnicas, como o suaíli e o árabe.

Em relação aos afro-descendentes, o ponto consensual e de grande relevância foi a proposta de transformar o conjunto da Diáspora na sexta região da União Africana. Os colegas da Comissão 5 (As relações da África com suas Diásporas) propuseram, ainda, o direito dos afro-descendentes à cidadania africana, com o fim dos vistos e livre trânsito pelo continente, um maior comprometimento dos governos com a luta pela melhoria das condições de vida e pelo combate ao racismo e outras formas de intolerância. E, nesta questão, vi no presidente de Cabo Verde, um aliado generoso e atento. Indicaram, também, a necessidade de uma difusão da história e cultura dos povos de origem africana, nas Américas e no restante do mundo, nas instituições escolares dos países africanos.

A nota negativa foi a pequena presença de brasileiros. Infelizmente, grande parte dos intelectuais negros e negras, com vasta produção e grande respeitabilidade, não foi contatada pelas pessoas responsáveis pela organização do evento no Brasil. Suas ausências demonstraram a urgência da consolidação da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), como nosso interlocutor institucional junto a diferentes agências governamentais, da sociedade civil e de cooperação internacional, para que possamos dar visibilidade a nossa produção científica e às nossas demandas.

Creio que o evento se constituiu em um passo importante em nossa luta para recuperar o controle do discurso sobre nós mesmos, na medida em que nos foi possível fazer contatos com muitos intelectuais africanos, abrindo caminho, desse modo, em um futuro próximo, para a concretização de parcerias, intercâmbio acadêmico e cooperação cientifica.

Para nós, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neab) da Universidade de Santa Catarina (Udesc), a conferência possibilitou divulgar as atividades da Udesc e angariar apoios junto às instituições de ensino superior africanas para o projeto de um consórcio interinstitucional de Neab’s.

Ìrohìn - Especificamente em relação aos dois eventos, quais as principais características dos trabalhos desenvolvidos no Senegal e os que aconteceram em Brasil?
Paulino Cardoso – Esta conferência foi bem diferente. Na I CIAD, a metodologia do evento baseou-se na apresentação de documentos, comentários, debatedores e discussões com os participantes presentes nas comissões temáticas. Ao final, cada comissão elaborou seu relatório, que foi lido e debatido em plenário. Sendo que o professor Theófilo Obenga, relator geral da conferência, responsabilizou-se pela entrega de um documento final no prazo de 30 dias após o encerramento do encontro.

A II CIAD manteve alguns aspectos, mas ao invés de um encontro entre intelectuais da África e suas Diásporas, ela teve uma caráter mais acadêmico, com cada um apresentando sua comunicação e pouco espaço para o debate político. Chamo a atenção especial para presença de especialistas brancos e a inclusão semanas antes do encontro de nomes de uma intelectualidade negra e acadêmica.

Não consegui entender a ausência de intelectuais da Diáspora africana na América Latina. Senti falta de delegações da Colômbia, Venezuela, Peru, Uruguai, Equador, Centro América e Caribe. Como informei no meu relato, o ritmo era bem outro, trabalhávamos por horas e horas seguidas, parando para o almoço, e alongando os trabalhos até as 19 horas. Além disso, conversávamos muito.

Ìrohìn – A que se devem, em sua opinião, tais diferenças?

Paulino Cardoso - Existe uma disputa por hegemonia entre os países africanos e isso parece ter tido um peso decisivo na condução da I CIAD no Senegal. Já no Brasil, parece que a organização da Conferência privilegiou um evento com uma característica muito mais celebrativa do que política.

Ìrohìn – Alguns especialistas em organização de eventos do mesmo porte da CIAD criticaram o tamanho das mesas do evento no Brasil. As mesas eram compostas por muitos debatedores, o que limitou o tempo das exposições. Houve, inclusive, casos extremos de intervenções de somente 5 minutos. Qual a sua opinião a este respeito?
Paulino Cardoso - Parece-me que ocorreram muitas pressões para incluir todo tipo de gente, locais, nacionais, regionais e internacionais. Mesmo com a presença da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, não se conseguiu dar à II CIAD um papel de ponte entre intelectuais africanos e da Diáspora.

Ìrohìn – E em relação aos participantes de modo geral?

Paulino Cardoso – No Senegal, o número de participantes na CIAD foi menor do que em Salvador, mas também havia muita gente. A diferença é que, no Brasil, parece que muitas das pessoas que compareceram à Conferência não sabiam ao certo o que estavam fazendo ali. Louve-se que na II CIAD ampliou-se a presença da sociedade civil, mas perdeu-se o frenesi das discussões.

Ìrohìn – Politicamente, o que pode significar as ausências de intelectuais das Américas, em especial do Caribe e dos EUA?

Paulino Cardoso – Não saberia explicar os motivos dessas ausências, caberia perguntar se o governo brasileiro fez os convites. Mas posso avaliar que a perda foi grande, na medida em que não construímos politicamente uma posição da Diáspora a ser discutida com intelectuais e governos africanos. Fizemos contatos informais, mas não conseguimos construir uma plataforma mínima que norteasse nossas ações para o próximo ano.

Ìrohìn – E em relação aos intelectuais brasileiros?

Paulino Cardoso – Muitos intelectuais brasileiros ficaram de fora, outros foram convidados na última hora. Senti falta da presença, nas mesas, de alguns grandes nomes do Brasil. Aliás, esta situação desagradou o Consórcio de Neab’s, composto por núcleos presentes em 47 universidades públicas e privadas, distribuídas entre Pará e Rio Grande do Sul, do Mato Grosso ao Rio de Janeiro. Ao que parece, ainda é pequeno o reconhecimento por parte dos agentes públicos, ou aqueles que servem aos propósitos públicos, de um número expressivo de pessoas negras nas universidades do país, capazes de colaborar de forma diferenciada no debate de temas de interesse dos afro-brasileiros.

Ìrohìn – Professor, quais são as suas expectativas para o futuro sobre as relações políticas entre os países africanos e os que integram a diáspora africana?

Paulino Cardoso – Bem, tive a impressão de que os participantes não discutiram os pontos que realmente importavam. Muito das tensões políticas passaram despercebidas da maioria dos presentes. O ponto alto, por exemplo, devido à presença de instituições do Movimento Negro Brasileiro, foi a inclusão no relatório, ao que parece, de temas da nossa agenda política, entre eles, ações afirmativas no acesso e permanência de estudantes negros e negras na universidade pública.

Mas outros pontos importantes não foram discutidos, por exemplo, o que deve ser feito para a participação de intelectuais da Diáspora na União Africana? Como incrementar o intercâmbio acadêmico entre nossas instituições? Como os intelectuais da Diáspora podem contribuir para uma mudança de atitude de nossos governos em relação a temas de interesse das populações do continente africano? Como os intelectuais e governos africanos podem corroborar na intensificação de políticas de ações afirmativas que melhorem a qualidade de vidas dos afro-descendentes nas Américas e outras partes do mundo? Temos o desafio de colocar as relações internacionais na agenda das instituições engajadas na luta pela promoção de igualdade. Esperamos que algumas sementes se frutifiquem e que, na próxima conferência, provavelmente na África do Sul, os acadêmicos e acadêmicas negros, através da ABPN e do Consórcio dos Neab’s, tenham um papel político mais expressivo na organização e realização do evento.

diony@irohin.org.br

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