2.11.2007
Ademir Cavalheiro (Nezzo)
Antônio Carlos Côrtes
Camila de Moraes
Cláudia Cambraia
Claudiomar Carrasco Martins (CarRASco)
Claudinho Pereira
Diony Maria soares
'
Edilson Nabarro
Eduardo Prestes
Ioswaldir Carvalho Bittencourt Jr
Isabel Clavelin
Irene Santos
José Francisco de Souza Santos da Silva
Jeanice Dias Ramos
Juarez Ribeiro
Júlio Cesar
Leslie Sedrez Chaves
Malu Viana
Manoel Soares
Oliveira Silveira
Oscar Henrrique Cardoso
Renata Lopes
Renato Rosa
Silvia Abreu
Vera Cardozo
Vera Daisy Barcellos
Observações:
1)Algumas das fotos acima são de autoria da fotógrafa Irene Santos , publicadas no livro Negro em Preto e Branco: história da população negra de Porto Alegre;
2) os dados acima estão sendo atualizados de acordo com a disponibilidade das fotos enviadas.
3)Registramos os nomes de Everton Costa (Tom do Hip Hop), Julieta Amaral, que ainda não temos fotos.
satira.jornalista@yahoo.com.br
1.12.2007
ACESSE
BIBLIOGRAFIAS - no link - March 2006
ENSAIOS - no link - April 2006
EVENTOS - no link - July 2006
BIBLIOGRAFIAS - no link - March 2006
ENSAIOS - no link - April 2006
EVENTOS - no link - July 2006
1.10.2007
PALAVRA DE NEGRO
por Oliveira Silveira, no livro
Negro em Preto e Branco, de Irene Santos
Afora o trabalho braçal dos quatro séculos em que trabalho era sinônimo de negros construindo o Brasil para beneficiários de outras raças, etnias ou procedências nacionais, a imprensa, a literatura, outras artes e formas culturais demonstram eloqüentemente a participação negra na vida brasileira enquanto manifestação de seres pensantes, expressão de sensibilidade e ação por vontade própria.
A partir do século XVI (16 em arábico) o negro criou a liberdade de Palmares - estado, país, reino, república... - adentrando e ocupando nisso toda a centúria seguinte. E nesse mesmo XVII, os anos 1600 no calendário parcial dos cristãos, a oratura negra das letras de lundu, a literatura oral ou oralitura, como diz a afro-mineira Leda Martins, estavam bem presentes, com certeza. Já no setecentismo, o século XVII dos minérios, o maior brilho é do escultor, o artista Antônio Francisco Lisboa, o alejadinho. Na literatura e na música, já aparece o sangue negro em Caldas Barbosa e José Maurício, respectivamente.
No século XIX (19 em arábico), quando nasce verdadeiramente a literatura brasileira, o primeiro romancista é o negro Teixeira e Souza, mulato. E o primeiro editor nacional é um negro, o mulato Francisco de Paula Brito, justamente o precursor, também, da Imprensa Negra. Seu jornal, O Homem de Cor,1833, mudado para O Mulato ou o Homem de Cor. Tudo em lições de mestre Oswaldo de Camargo, escritor negro paulista, em o Negro Escrito , livro de 1988. Paula Brito, editor aina de A Marmota Fluminense, o seu jornalismo em ação. A pesquisa da jornalista negra Ana Fraga Magalhães Pinto para o mestrado em História na Universidade Nacional de Brasília, UNB, localiza novos títulos inclusive em 1833.
O maior escritor da época ou além dela, um polígrafo, senhor dos gêneros liteários e do estilo é o homem negro Machado de Assis. Mulato, negromestiço,negróide, ou misto afro... é tudo negro no Brasil. E tem Luiz Gama, Cruz e Souza - um continuum literário, artístico, cultural, em crescendo, impondo-se aos séculos XX e XXI. Sim, vinte e vinte e um.
Se ainda no século dezenove (XIX) José do Patrocínio era escritor, empresário e jornalista negro dono de jornais - Gazeta da Tarde , 1877-1887, e A cidade do Rio, 1887-1903- ou se o poeta Cruz e Souza tinha escritos abolicionistas ou simplesmente literários em jornais de Florianóplis , em Porto Alegre quem marca forte é o grupo do jornal O Exemplo. Cobrindo com interrupções e fases de o período 1892 a 1930, O Exemplo é iniciativa e organização de negros . Antecipa-se à importante imprensa negra paulista e paulistana: O Baluarte, Campinas,1903, A Pérola, São Paulo, 1911, O Menelick a seguir, O Clarim da Alvorada mais adiante.
O Exemplo, exemplar, fo seguido por outros órgãos gaúchos como os pelotenses A Cruzada, 1905, e A Alvorada, 1907, ou A Revolta, 1925 em Bagé, A Navalha, 1931 em Santana do Livramento - informes de Marco Antônio Lírio de Melo, revista Porto e Vírgula nº29, novembro de 1996.
Em O Exemplo (mais vinculado ao meio negro nos primeiros tempos), do diretor inicial Arthur de Andrade à derradeira direção de Dario de Bittecourt, o grande destaque é para a visão, a coerência, o espírito crítico e combativo de Esperidião Calisto, um barbeiro jornalista muito politizado. E tem literatura, humor, informes sobre teatros e clubes como o Floresta Aurora.
Se a imprensa negra de São Paulo acelerou com O Menelick, O clarim de Alvorada, A Voz da Raça ( da Frente Negra Brasileira)) e seguiu em frente, e se, no Rio de Janeiro, Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro lançaram o também histórico Quilombo, 1948-1950, com sucedãnios na cena carioca e fluminense (SINBA, Boletim do IPCN, na década de 70), no Rio Grande do Sul houve , parece um hiato a partir de 1930. ou nos faltam registros. Mas a partir dos anos 60 sabe-se de informativos de clubes - sociedade Floresta Aurora, Clube Náutico Marcílio Dias, associação satélite Prontidão... O Ébano é de 1962.
Marco inequívoco é Tição, de Porto Alegre( grupo Tição, 1977 -1980). Revistas Tição em 1978 e 1979, dois números, e a publicação única do jornal Tição em 1980. Apresentação cuidada , boa diagramação e conteúdo envolvendo história, debate sobre racismo, questões sociais, políticas e culturais em geral, reafirmaram a possibilidade de uma imprensa negra vigorosa, renovada, séria e rica em abordagenstemas e profundidade.
Referência importantíssima Tição dialoga com a imprensa negra da década: o anterior e clandestino A Árvore das Palavras, Afro-Latino-América (in Versus), Jornegro, todos paulistas, e outras publicaçãoes do Rio já citadas, sobre as quais Amauri Mendes Pereira poderia falar melhor. Asim Tição participa, muito significativamente dessa história jornalística longa e heróica em nosso País.
Continuum literário nos séculos XX e XXI ccc ( calendário capenga dos cristãos ou calendário capenga cristão para quem prefere as coisas mais ajustadinhas). É que além dos citados Machado de Assis , Luiz Gama e Cruz e Souza o século dos anos 1900 teve o romancista e cronista Lima Barreto, poetas como Líno Guedes e Solano Trindade, seguidos por nomes como os de Oswaldo de Camargo e Carlos de Assumpção que iniciando antes mas juntando-se aos novos, fazem uma ponte para a literatura negra contemporânea. Negra ou de negros.
O vigor dessa fase iniciada nos anos de 1970 é atestado pela obra de escritores como Cuti, Éle Semog, Geni Guimarães, Arnaldo Xavier, Paulo Colina , Adão Ventura, Míriam Alves José Carlos Limeira, jônatas Conceição, Edson Cardoso Conceição Evaristo, Salgado Maranhão, Lepê Corrêa, Elisa Lucinda, Eustáquio Lawa (Eustáquio José Rodrigues), Edimilsom de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo, Lande Onawale, Cristiane Sobral... A lista é longa.Os citados representam os omitidos, injustiças à vista. E Cadernos Negros, com o Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa na trincheira representam uma periodicidade anual iniciada em 1978, alternando conto e poesia nas 27 edições completadas em 2004 com a marca do grupo Quilombhoje, em São Paulo.
Machado em seu tempo já escrevia peças teatrais. Em meados do século XX Abdias do Nascimento escreveu e fez montagens com o grupo do TEN. Rosário Fusco, Romeu Crusoé e Ironildes Rodrigues são também autores desse período rico. E Cuti, Joel Rufino dos Santos e outros fazem a dramaturgia contemporânea.
No Rio Grande do Sul, o poeta Luiz da Motta publicou comédia em O Exemplo (coleção 1902-1905). O mesmo jornal registra atividade teatral na sociedade Floresta Aurora desde o final do século XIX, resultando num duradouro Centro Dramático do clube em começos do sécolo XX. e desde o início o semanário ostenta poemas de negros, seções humorísticas delicosas, prosa variada. Semanário de LeoPardo taz em livro de 1926 as crônicas de Paulino de azurenha, escritas em estilo primoroso entre 1905 e 1909 para o Correio do Povo . Mais uma preservação de Aníbal Damasceno Ferreira. Preciosidade. O negro ou o misto afro Azurenha - LeoPardo - estava ao lado de Caldas Júnior na fundação do Correio e continuou como redator do jornal.
Na útima fase, 1916-1930, O Exemplo publica também autores brancos, alguns poetas da época, e seria preciso estudar a freqüência de negros em suas páginas. Para a lacuna entre os anos de 1930 e 1960, é bom lembrar que Antônio Lourenço, redator do jornal nos anos 20, publica sonetos no Correio do Povo ao menos na década de 70 e início dos anos 80, quando falece. Haverá outros autores entre o período Vargas e a ditadura militar de 1964? Pesquisar. A partir de 1965 o Teatro Saci fez bonito vencendo um festival Martins Pena ou montando a peça Um Cravo na Lapela, do dramaturgo branco Pedro Bloch, organizado sob a presidência de Eloy Dias dos Angelos e tendo Horacilda do Nascimento como vice-presidente a atriz Eni Maria de Neves e o ator Airton Marques representam os seus demais colegas nessa citação.
Da mesma época, surgindo em 1964 ou 65 é o GTM, Grupo de Teatro Marciliense, liderado por Luiz Gonzaga Lucena e integrantes do clube náutico Marcílio Dias. Aírton Silva e Geci Lemos exemplificam voz e talento no GTM. Pois o GTM e Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora (com os irmãos Mauro Paré e Marilene Paré, entre outros) montaram juntos lá por 1969 o Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, no theatro São Pedro, tendo Aírton Marques como Orfeu. O ator negro gaúcho Breno Melo desmpenhou esse papel no cinema em orfeu no carnaval, de Marcel Camus, produção franco-brasileira. O filme ganhou Palma de Ouro em 1959 no festival de Cannes. Lá por 1971, ano em que surgiu o Grupo Palmares, de Porto Alegre , lançando a data 20 de novembro, foi possível assistir uma atividade teatral no Floresta em que sobressaiam o talento do ator não burilado e o potencial de Jorge Antônio dos Santos.
O Grupo Cultural Razão Negra inicio como Nosso Teatro em meados dos anos 1970 com a dramatização do conto Esperando o Embaixador, de Oswaldo de Camargo, montando na sequência três peças escritas e dirigidas por um componente do próprio grupo, Jaime da Silva: E Agora Negra? (1979) e O Convite (já em 1980) e uma outra intitulada o It...
A década de 70 já tem na poesia o trabalho de Alsina Alves de Lima, que em 1966 já mostrava um poema sobre a condição feminina em obra coletiva, Nossa Geração, do Diretório Estadual de Estudantes (RS). Talvez não tenha conseguido publicar seu livro Roda d'Água, de modo que, após sua morte, torna-se mais precioso o volume 6 dos Cadernos Literários do Instituto Cultural Português, editado em Porto Alegre em 1982. Ali estão um comentário crítico de Antônio Soares sobre a escritora e uma valiosa coleção de 15 poemas datados:1966 a 1981. Em Meu Poema, de 1971, ela diz:
Sendo pobre e mulher/ e sendo negra
quero meu poema/ como quero a vida
sem cercamentos/ sem desencontros
sem segregação.
Palavra de negra. E numa em que se apareceriam, dos anos 80 ao final do século, autores como Paulo Ricardo de Moraes, poeta e contista com experimentações no texto dramático e na área de vídeo; Ronald Algusto, poeta inventivo, inquiridor da linguagem, com incursões também na crítica literária, além de compositor e intérprete musical; Maria Helena Vargas da Silveira, com poemas e prosa vária- contos, crônicas e outras utilizações artísticas da palavra; ou Jorge Fróes, inédito em livros mas com poemas e contos esparsamente.
SANTOS, Irene (Org.). Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: Do Autor, 2005.
Créditos Imagens: Irene Santos
por Oliveira Silveira, no livro
Negro em Preto e Branco, de Irene Santos
Afora o trabalho braçal dos quatro séculos em que trabalho era sinônimo de negros construindo o Brasil para beneficiários de outras raças, etnias ou procedências nacionais, a imprensa, a literatura, outras artes e formas culturais demonstram eloqüentemente a participação negra na vida brasileira enquanto manifestação de seres pensantes, expressão de sensibilidade e ação por vontade própria.
A partir do século XVI (16 em arábico) o negro criou a liberdade de Palmares - estado, país, reino, república... - adentrando e ocupando nisso toda a centúria seguinte. E nesse mesmo XVII, os anos 1600 no calendário parcial dos cristãos, a oratura negra das letras de lundu, a literatura oral ou oralitura, como diz a afro-mineira Leda Martins, estavam bem presentes, com certeza. Já no setecentismo, o século XVII dos minérios, o maior brilho é do escultor, o artista Antônio Francisco Lisboa, o alejadinho. Na literatura e na música, já aparece o sangue negro em Caldas Barbosa e José Maurício, respectivamente.
No século XIX (19 em arábico), quando nasce verdadeiramente a literatura brasileira, o primeiro romancista é o negro Teixeira e Souza, mulato. E o primeiro editor nacional é um negro, o mulato Francisco de Paula Brito, justamente o precursor, também, da Imprensa Negra. Seu jornal, O Homem de Cor,1833, mudado para O Mulato ou o Homem de Cor. Tudo em lições de mestre Oswaldo de Camargo, escritor negro paulista, em o Negro Escrito , livro de 1988. Paula Brito, editor aina de A Marmota Fluminense, o seu jornalismo em ação. A pesquisa da jornalista negra Ana Fraga Magalhães Pinto para o mestrado em História na Universidade Nacional de Brasília, UNB, localiza novos títulos inclusive em 1833.
O maior escritor da época ou além dela, um polígrafo, senhor dos gêneros liteários e do estilo é o homem negro Machado de Assis. Mulato, negromestiço,negróide, ou misto afro... é tudo negro no Brasil. E tem Luiz Gama, Cruz e Souza - um continuum literário, artístico, cultural, em crescendo, impondo-se aos séculos XX e XXI. Sim, vinte e vinte e um.
Se ainda no século dezenove (XIX) José do Patrocínio era escritor, empresário e jornalista negro dono de jornais - Gazeta da Tarde , 1877-1887, e A cidade do Rio, 1887-1903- ou se o poeta Cruz e Souza tinha escritos abolicionistas ou simplesmente literários em jornais de Florianóplis , em Porto Alegre quem marca forte é o grupo do jornal O Exemplo. Cobrindo com interrupções e fases de o período 1892 a 1930, O Exemplo é iniciativa e organização de negros . Antecipa-se à importante imprensa negra paulista e paulistana: O Baluarte, Campinas,1903, A Pérola, São Paulo, 1911, O Menelick a seguir, O Clarim da Alvorada mais adiante.
O Exemplo, exemplar, fo seguido por outros órgãos gaúchos como os pelotenses A Cruzada, 1905, e A Alvorada, 1907, ou A Revolta, 1925 em Bagé, A Navalha, 1931 em Santana do Livramento - informes de Marco Antônio Lírio de Melo, revista Porto e Vírgula nº29, novembro de 1996.
Em O Exemplo (mais vinculado ao meio negro nos primeiros tempos), do diretor inicial Arthur de Andrade à derradeira direção de Dario de Bittecourt, o grande destaque é para a visão, a coerência, o espírito crítico e combativo de Esperidião Calisto, um barbeiro jornalista muito politizado. E tem literatura, humor, informes sobre teatros e clubes como o Floresta Aurora.
Se a imprensa negra de São Paulo acelerou com O Menelick, O clarim de Alvorada, A Voz da Raça ( da Frente Negra Brasileira)) e seguiu em frente, e se, no Rio de Janeiro, Abdias do Nascimento e o Teatro Experimental do Negro lançaram o também histórico Quilombo, 1948-1950, com sucedãnios na cena carioca e fluminense (SINBA, Boletim do IPCN, na década de 70), no Rio Grande do Sul houve , parece um hiato a partir de 1930. ou nos faltam registros. Mas a partir dos anos 60 sabe-se de informativos de clubes - sociedade Floresta Aurora, Clube Náutico Marcílio Dias, associação satélite Prontidão... O Ébano é de 1962.
Marco inequívoco é Tição, de Porto Alegre( grupo Tição, 1977 -1980). Revistas Tição em 1978 e 1979, dois números, e a publicação única do jornal Tição em 1980. Apresentação cuidada , boa diagramação e conteúdo envolvendo história, debate sobre racismo, questões sociais, políticas e culturais em geral, reafirmaram a possibilidade de uma imprensa negra vigorosa, renovada, séria e rica em abordagenstemas e profundidade.
Referência importantíssima Tição dialoga com a imprensa negra da década: o anterior e clandestino A Árvore das Palavras, Afro-Latino-América (in Versus), Jornegro, todos paulistas, e outras publicaçãoes do Rio já citadas, sobre as quais Amauri Mendes Pereira poderia falar melhor. Asim Tição participa, muito significativamente dessa história jornalística longa e heróica em nosso País.
Continuum literário nos séculos XX e XXI ccc ( calendário capenga dos cristãos ou calendário capenga cristão para quem prefere as coisas mais ajustadinhas). É que além dos citados Machado de Assis , Luiz Gama e Cruz e Souza o século dos anos 1900 teve o romancista e cronista Lima Barreto, poetas como Líno Guedes e Solano Trindade, seguidos por nomes como os de Oswaldo de Camargo e Carlos de Assumpção que iniciando antes mas juntando-se aos novos, fazem uma ponte para a literatura negra contemporânea. Negra ou de negros.
O vigor dessa fase iniciada nos anos de 1970 é atestado pela obra de escritores como Cuti, Éle Semog, Geni Guimarães, Arnaldo Xavier, Paulo Colina , Adão Ventura, Míriam Alves José Carlos Limeira, jônatas Conceição, Edson Cardoso Conceição Evaristo, Salgado Maranhão, Lepê Corrêa, Elisa Lucinda, Eustáquio Lawa (Eustáquio José Rodrigues), Edimilsom de Almeida Pereira, Ricardo Aleixo, Lande Onawale, Cristiane Sobral... A lista é longa.Os citados representam os omitidos, injustiças à vista. E Cadernos Negros, com o Esmeralda Ribeiro e Márcio Barbosa na trincheira representam uma periodicidade anual iniciada em 1978, alternando conto e poesia nas 27 edições completadas em 2004 com a marca do grupo Quilombhoje, em São Paulo.
Machado em seu tempo já escrevia peças teatrais. Em meados do século XX Abdias do Nascimento escreveu e fez montagens com o grupo do TEN. Rosário Fusco, Romeu Crusoé e Ironildes Rodrigues são também autores desse período rico. E Cuti, Joel Rufino dos Santos e outros fazem a dramaturgia contemporânea.
No Rio Grande do Sul, o poeta Luiz da Motta publicou comédia em O Exemplo (coleção 1902-1905). O mesmo jornal registra atividade teatral na sociedade Floresta Aurora desde o final do século XIX, resultando num duradouro Centro Dramático do clube em começos do sécolo XX. e desde o início o semanário ostenta poemas de negros, seções humorísticas delicosas, prosa variada. Semanário de LeoPardo taz em livro de 1926 as crônicas de Paulino de azurenha, escritas em estilo primoroso entre 1905 e 1909 para o Correio do Povo . Mais uma preservação de Aníbal Damasceno Ferreira. Preciosidade. O negro ou o misto afro Azurenha - LeoPardo - estava ao lado de Caldas Júnior na fundação do Correio e continuou como redator do jornal.
Na útima fase, 1916-1930, O Exemplo publica também autores brancos, alguns poetas da época, e seria preciso estudar a freqüência de negros em suas páginas. Para a lacuna entre os anos de 1930 e 1960, é bom lembrar que Antônio Lourenço, redator do jornal nos anos 20, publica sonetos no Correio do Povo ao menos na década de 70 e início dos anos 80, quando falece. Haverá outros autores entre o período Vargas e a ditadura militar de 1964? Pesquisar. A partir de 1965 o Teatro Saci fez bonito vencendo um festival Martins Pena ou montando a peça Um Cravo na Lapela, do dramaturgo branco Pedro Bloch, organizado sob a presidência de Eloy Dias dos Angelos e tendo Horacilda do Nascimento como vice-presidente a atriz Eni Maria de Neves e o ator Airton Marques representam os seus demais colegas nessa citação.
Da mesma época, surgindo em 1964 ou 65 é o GTM, Grupo de Teatro Marciliense, liderado por Luiz Gonzaga Lucena e integrantes do clube náutico Marcílio Dias. Aírton Silva e Geci Lemos exemplificam voz e talento no GTM. Pois o GTM e Grupo de Teatro Novo Floresta Aurora (com os irmãos Mauro Paré e Marilene Paré, entre outros) montaram juntos lá por 1969 o Orfeu da Conceição, de Vinicius de Moraes, no theatro São Pedro, tendo Aírton Marques como Orfeu. O ator negro gaúcho Breno Melo desmpenhou esse papel no cinema em orfeu no carnaval, de Marcel Camus, produção franco-brasileira. O filme ganhou Palma de Ouro em 1959 no festival de Cannes. Lá por 1971, ano em que surgiu o Grupo Palmares, de Porto Alegre , lançando a data 20 de novembro, foi possível assistir uma atividade teatral no Floresta em que sobressaiam o talento do ator não burilado e o potencial de Jorge Antônio dos Santos.
O Grupo Cultural Razão Negra inicio como Nosso Teatro em meados dos anos 1970 com a dramatização do conto Esperando o Embaixador, de Oswaldo de Camargo, montando na sequência três peças escritas e dirigidas por um componente do próprio grupo, Jaime da Silva: E Agora Negra? (1979) e O Convite (já em 1980) e uma outra intitulada o It...
A década de 70 já tem na poesia o trabalho de Alsina Alves de Lima, que em 1966 já mostrava um poema sobre a condição feminina em obra coletiva, Nossa Geração, do Diretório Estadual de Estudantes (RS). Talvez não tenha conseguido publicar seu livro Roda d'Água, de modo que, após sua morte, torna-se mais precioso o volume 6 dos Cadernos Literários do Instituto Cultural Português, editado em Porto Alegre em 1982. Ali estão um comentário crítico de Antônio Soares sobre a escritora e uma valiosa coleção de 15 poemas datados:1966 a 1981. Em Meu Poema, de 1971, ela diz:
Sendo pobre e mulher/ e sendo negra
quero meu poema/ como quero a vida
sem cercamentos/ sem desencontros
sem segregação.
Palavra de negra. E numa em que se apareceriam, dos anos 80 ao final do século, autores como Paulo Ricardo de Moraes, poeta e contista com experimentações no texto dramático e na área de vídeo; Ronald Algusto, poeta inventivo, inquiridor da linguagem, com incursões também na crítica literária, além de compositor e intérprete musical; Maria Helena Vargas da Silveira, com poemas e prosa vária- contos, crônicas e outras utilizações artísticas da palavra; ou Jorge Fróes, inédito em livros mas com poemas e contos esparsamente.
SANTOS, Irene (Org.). Negro em Preto e Branco: história fotográfica da população negra de Porto Alegre. Porto Alegre: Do Autor, 2005.
Créditos Imagens: Irene Santos
1.09.2007
VERA DAISY BARCELLOS
Revista Palmares: Cultura Afro-brasileira,
Editoria Fala Negra, página 84-86
Foto: Irene Santos
Jornalista, militante do Movimento Negro desde a década de 70, editora da revista Tição. Atuou por 16 anos no jornal Zero Hora, foi editora responsável pelos projetos especiais do jornal A Voz da Serra. Assessora de imprensa de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras/RS.
O telefone toca. Largo o teclado do computador e atendo. É a Fernanda, da Fundação Palmares me ligando. Às voltas com inúmeras tarefas e com o pensamento nos prazos a cumprir, demoro a atender o que ela me pede. Um artigo com duas laudas, diz ela, sobre a minha trajetória de vida ... com mais de 50 anos de estrada, tento escapar... não tenho muito a contar, penso. Fernanda insiste – “fale de sua vida profissional, de sua trajetória como militante” - e eu só me ligo no prazo. Tento me esquivar não gosto de falar na primeira pessoa. Prefiro relatar fatos de outros, escrever notícias, reportagens... tenho outros artigos para fazer e ouço Fernanda dizendo que o prazo de entrega é, também, para “ontem”.
Por que será que é sempre assim? Dezembro parece ser o mês das conclusões apressadas. O décimo segundo mês do ano é apressado pelos sinos de natal. Tudo tem que se definir antes do dia 25. é a revista que está para “fechar”, é o relatório que tem para estar pronto... é este texto que deve chegar na segunda-feira, via on-line, em Brasília...
E com esse inicio, a história da minha vida começa a ser construída, vou aproveitar para exorcizar alguns fantasmas que teimam em me acompanhar e fazer desse texto um reencontro com a minha memória e ela aponta que a luta pela minha independência começou muito cedo.
Com quatro anos já fugia de casa. As saídas para a rua me fascinam até hoje. Cruzava com minhas curtas pernas a travessa que ligava a minha rua com a casa-grande, onde minha mãe era cozinheira, doceira, lavadeira e passadeira. E ali ficava quietinha e escondida no jardim com flores cujos nomes não lembro mais. Entre o cinco filhos que teve, minha mãe fez uma escolha que definiu meu destino. Ela não lia nem sequer escrevia seu nome, mas atenta sabia das coisas do mundo, das batidas, dos tambores, dos segredos das ervas e das benzeduras. Percebeu nas minhas fugas infantis que eu definia o caminho e o pouso que buscava. E seu coração abriu mão de mim... sábia a minha mãe. Levei muitos anos para entendê-la e compreender o porque de seu gesto. Hoje sei.
Não vaguei pelo mundo porque a casa-grande me abrigou. Cabelos trançados e fitas coloridas, vestidos floridos. Lembranças de minha infância. A menina ganhou corpo e cresceu. Minha história não é muito diferente das muitas adolescentes negras criadas por famílias brancas. Já vi semelhanças em tantos outro relatos de mulheres negras bem-sucedidas.
O trabalho da casa era dividido entre os adultos na propor cão da idade e à medida que se crescia. Venezianas escovadas. De joelho, palhas de aço passadas no assoalho de madeira. O brilho da cera no chão e nos móveis antigos. Múltiplas vidraças lavadas e várias varrições nas calçadas da rua. As faxinas, o aprender nas lidas da cozinha. O brincar solitário no quintal entre pintos, patos e galinhas. As laranjas e bergamotas descascadas sob o Sol morno de outono, as estações virando... e o ciclo da vida se fazendo, aos oito anos fui alfabetizada. A descoberta das letras me levou a muitos livros e eles foram o passaporte para se concretizar muitos de meus sonhos.
Entre as lidas do trabalho domestico fui traçando passo a passo, meu roteiro estudantil: inicialmente o Primário no Grupo Escolar Luciana de Abreu – que mais tarde vim a descobrir que era uma professora negra que quando bebê foi abandonada na rosa dos expostos na Santa Casa de Misericórdia, depois o Ginásio marcado pelo latim, mais tarde a opção pelo Clássico porque odiava Matemática, atualmente nem tanto, e a entrada na Universidade publica vencendo a barreira concorrida do vestibular e da prova especifica para o jornalismo.
A profissão – a escolha da profissão foi marcante. Há 37 anos, ao contrário de hoje as mulheres eram poucas no mercado jornalístico. E negras ainda mais, como hoje são em números reduzidíssimos. O conselho familiar branco se opôs, com vigor, à minha vocação e recomendava o caminho considerado mais apropriado para “as moças negras e direitas”: o Magistério. “ Vá ser professora menina. Jornalismo jamais; é profissão de homem!”, diziam.
A rebeldia juvenil, no entanto mostrou sua cara e rompeu com o padrão. E quando o regime militar arrochava os direitos dos cidadãos civis no Brasil, entrei na faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O ano de 1968 e as transformações no mundo, mais uma vez aconteciam. No bar do Antonio – ainda existe na UFRGS – e no prédio da antiga Filosofia divergíamos do regime, sofríamos a repressão do DOPS e vimos companheiros nossos desaparecer nos porões da ditadura. Aprendemos muito...
Três anos depois com diploma na mão, era a primeira mulher negra a entrar na Redação do Jornal do Comércio, meu primeiro emprego. E por alguns anos esta ação se repitira nos muitos veículos de comunicação de Porto Alegre por onde passei: mulher e negra.
Escalada para cobertura jornalística esportiva, faço escola no reduto masculino do futsal, do ciclismo, do vôlei, do basquete e do automobilismo.
Em busca de comentário imediatos entro nos vestiário, nos intervalos das partidas, junto com meus colegas, homens, constrangendo, de inicio, técnicos e atletas, mas rompendo barreiras de gênero. Com o passar do tempo eles se acostumam com a constante presença de uma repórter negra. As coberturas esportivas e de carnaval – uma outra paixão – são um marco na minha carreira profissional.
Dos clubes sociais e esportivos, várias homenagens ao meu trabalho. Associações esportivas que antes me barravam pelo fato de ser negra, abriam suas portas... é claro que isso só acontecia quando eu mostrava o crachá do veiculo onde trabalhava,ou então quando o porteiro assistia a minha chegada no carro da empresa.
Por 16 anos sem interrupções, acompanhei de perto a carreira de vários ídolos do esporte amador gaúcho e brasileiro. Concomitante com o jornalismo esportivo me dediquei ao serviço público, atuando na área de assessoria de imprensa e divulgando as atividades da área social do Governo Federal. Apesar de ter feito todo o projeto para a montagem e Assessoria de Imprensa, a chefia só será exercida por um período de um ano, exatamente, quando a instituição está para fechar suas portas.
A militante – a militância no movimento negro é fruto do despertar para a questão racial e da constatação de que era preciso fazer mais para rompermos com o racismo e discriminação racial existentes no País. Também foi ressonância das leituras e da motivação que vinha das mobilizações que eferveciam no continente africano e na América do Norte. “black is beautiful”. Lelia Gonzales, Oswaldo de Camargo, Florestan Fernandes, Abdias Nascimento, Martins Luther King, Nelson Mandela, Agostinho Neto, Samora Machel, Ângela Davis, Steve Biko, Malcon X... entre tantos outros. Nomes admirados e guias para nossa retomada do movimento negro no país. O engajamento na luta acontece no inicio dos anos 70. Participo dos encontros do Grupo Palmares, acompanho de perto a proposição para que o 20 de Novembro seja um contraponto ao 13 de Maio. Discussões, reuniões, viajens para São Paulo, para o Rio de Janeiro, Salvador. A mochila nas costas e o fomento pela criação do Movimento Negro Unificado. De lá para cá, muita caminhada. Contatos com companheiros jornalistas negros, a convergência de idéias para a publicação da Revista Tição, um marco na imprensa alternativa gaúcha na década de 70 e até hoje lembrada. Divergências, o vício do reunismo, rompimentos,e lá vamos para outros grupos – Rua do Perdão, YaDdu entre tantos outros – em busca de projetos e ações concretas para incrementar a luta pela igualdade social.
Em toda esta minha trajetória, eu gostaria de ter tido mais tempo de me dedicar à causa, bem como de ter estudado e ter pesquisado mais, mas a luta pela sobrevivência prevaleceu. Há muito mais para contar, como a vivencia por um período de quatro anos dividindo a sociedade de uma empresa na área de comunicação social no interior do Estado num município que tem sua origem, no inicio do século XX, marcada pelos projetos que incentivaram e favoreceram a vinda de imigrantes italianos, alemães, poloneses, russos e judeus em detrimento à mão-de-obra negra.
De volta a Porto Alegre, a retomada com fôlego jornalístico, através da assessoria de imprensa para Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras e pela participação no projeto Negro em Preto e Branco – A História fotográfica da População Negra em Porto Alegre, idealizado e fotografado pela fotógrafa negra Irene Santos, sucesso editorial gaúcho do segundo semestre de 2005. Aos 55 anos casada, mãe de Juliano, 21 anos, sinto-me renovada e estimulada a trabalhar sempre e ser, sem perder o rumo, cada vez mais militante.
Revista Palmares: Cultura Afro-brasileira,
Editoria Fala Negra, página 84-86
Foto: Irene Santos
Jornalista, militante do Movimento Negro desde a década de 70, editora da revista Tição. Atuou por 16 anos no jornal Zero Hora, foi editora responsável pelos projetos especiais do jornal A Voz da Serra. Assessora de imprensa de Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras/RS.
O telefone toca. Largo o teclado do computador e atendo. É a Fernanda, da Fundação Palmares me ligando. Às voltas com inúmeras tarefas e com o pensamento nos prazos a cumprir, demoro a atender o que ela me pede. Um artigo com duas laudas, diz ela, sobre a minha trajetória de vida ... com mais de 50 anos de estrada, tento escapar... não tenho muito a contar, penso. Fernanda insiste – “fale de sua vida profissional, de sua trajetória como militante” - e eu só me ligo no prazo. Tento me esquivar não gosto de falar na primeira pessoa. Prefiro relatar fatos de outros, escrever notícias, reportagens... tenho outros artigos para fazer e ouço Fernanda dizendo que o prazo de entrega é, também, para “ontem”.
Por que será que é sempre assim? Dezembro parece ser o mês das conclusões apressadas. O décimo segundo mês do ano é apressado pelos sinos de natal. Tudo tem que se definir antes do dia 25. é a revista que está para “fechar”, é o relatório que tem para estar pronto... é este texto que deve chegar na segunda-feira, via on-line, em Brasília...
E com esse inicio, a história da minha vida começa a ser construída, vou aproveitar para exorcizar alguns fantasmas que teimam em me acompanhar e fazer desse texto um reencontro com a minha memória e ela aponta que a luta pela minha independência começou muito cedo.
Com quatro anos já fugia de casa. As saídas para a rua me fascinam até hoje. Cruzava com minhas curtas pernas a travessa que ligava a minha rua com a casa-grande, onde minha mãe era cozinheira, doceira, lavadeira e passadeira. E ali ficava quietinha e escondida no jardim com flores cujos nomes não lembro mais. Entre o cinco filhos que teve, minha mãe fez uma escolha que definiu meu destino. Ela não lia nem sequer escrevia seu nome, mas atenta sabia das coisas do mundo, das batidas, dos tambores, dos segredos das ervas e das benzeduras. Percebeu nas minhas fugas infantis que eu definia o caminho e o pouso que buscava. E seu coração abriu mão de mim... sábia a minha mãe. Levei muitos anos para entendê-la e compreender o porque de seu gesto. Hoje sei.
Não vaguei pelo mundo porque a casa-grande me abrigou. Cabelos trançados e fitas coloridas, vestidos floridos. Lembranças de minha infância. A menina ganhou corpo e cresceu. Minha história não é muito diferente das muitas adolescentes negras criadas por famílias brancas. Já vi semelhanças em tantos outro relatos de mulheres negras bem-sucedidas.
O trabalho da casa era dividido entre os adultos na propor cão da idade e à medida que se crescia. Venezianas escovadas. De joelho, palhas de aço passadas no assoalho de madeira. O brilho da cera no chão e nos móveis antigos. Múltiplas vidraças lavadas e várias varrições nas calçadas da rua. As faxinas, o aprender nas lidas da cozinha. O brincar solitário no quintal entre pintos, patos e galinhas. As laranjas e bergamotas descascadas sob o Sol morno de outono, as estações virando... e o ciclo da vida se fazendo, aos oito anos fui alfabetizada. A descoberta das letras me levou a muitos livros e eles foram o passaporte para se concretizar muitos de meus sonhos.
Entre as lidas do trabalho domestico fui traçando passo a passo, meu roteiro estudantil: inicialmente o Primário no Grupo Escolar Luciana de Abreu – que mais tarde vim a descobrir que era uma professora negra que quando bebê foi abandonada na rosa dos expostos na Santa Casa de Misericórdia, depois o Ginásio marcado pelo latim, mais tarde a opção pelo Clássico porque odiava Matemática, atualmente nem tanto, e a entrada na Universidade publica vencendo a barreira concorrida do vestibular e da prova especifica para o jornalismo.
A profissão – a escolha da profissão foi marcante. Há 37 anos, ao contrário de hoje as mulheres eram poucas no mercado jornalístico. E negras ainda mais, como hoje são em números reduzidíssimos. O conselho familiar branco se opôs, com vigor, à minha vocação e recomendava o caminho considerado mais apropriado para “as moças negras e direitas”: o Magistério. “ Vá ser professora menina. Jornalismo jamais; é profissão de homem!”, diziam.
A rebeldia juvenil, no entanto mostrou sua cara e rompeu com o padrão. E quando o regime militar arrochava os direitos dos cidadãos civis no Brasil, entrei na faculdade de Biblioteconomia e Comunicação Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. O ano de 1968 e as transformações no mundo, mais uma vez aconteciam. No bar do Antonio – ainda existe na UFRGS – e no prédio da antiga Filosofia divergíamos do regime, sofríamos a repressão do DOPS e vimos companheiros nossos desaparecer nos porões da ditadura. Aprendemos muito...
Três anos depois com diploma na mão, era a primeira mulher negra a entrar na Redação do Jornal do Comércio, meu primeiro emprego. E por alguns anos esta ação se repitira nos muitos veículos de comunicação de Porto Alegre por onde passei: mulher e negra.
Escalada para cobertura jornalística esportiva, faço escola no reduto masculino do futsal, do ciclismo, do vôlei, do basquete e do automobilismo.
Em busca de comentário imediatos entro nos vestiário, nos intervalos das partidas, junto com meus colegas, homens, constrangendo, de inicio, técnicos e atletas, mas rompendo barreiras de gênero. Com o passar do tempo eles se acostumam com a constante presença de uma repórter negra. As coberturas esportivas e de carnaval – uma outra paixão – são um marco na minha carreira profissional.
Dos clubes sociais e esportivos, várias homenagens ao meu trabalho. Associações esportivas que antes me barravam pelo fato de ser negra, abriam suas portas... é claro que isso só acontecia quando eu mostrava o crachá do veiculo onde trabalhava,ou então quando o porteiro assistia a minha chegada no carro da empresa.
Por 16 anos sem interrupções, acompanhei de perto a carreira de vários ídolos do esporte amador gaúcho e brasileiro. Concomitante com o jornalismo esportivo me dediquei ao serviço público, atuando na área de assessoria de imprensa e divulgando as atividades da área social do Governo Federal. Apesar de ter feito todo o projeto para a montagem e Assessoria de Imprensa, a chefia só será exercida por um período de um ano, exatamente, quando a instituição está para fechar suas portas.
A militante – a militância no movimento negro é fruto do despertar para a questão racial e da constatação de que era preciso fazer mais para rompermos com o racismo e discriminação racial existentes no País. Também foi ressonância das leituras e da motivação que vinha das mobilizações que eferveciam no continente africano e na América do Norte. “black is beautiful”. Lelia Gonzales, Oswaldo de Camargo, Florestan Fernandes, Abdias Nascimento, Martins Luther King, Nelson Mandela, Agostinho Neto, Samora Machel, Ângela Davis, Steve Biko, Malcon X... entre tantos outros. Nomes admirados e guias para nossa retomada do movimento negro no país. O engajamento na luta acontece no inicio dos anos 70. Participo dos encontros do Grupo Palmares, acompanho de perto a proposição para que o 20 de Novembro seja um contraponto ao 13 de Maio. Discussões, reuniões, viajens para São Paulo, para o Rio de Janeiro, Salvador. A mochila nas costas e o fomento pela criação do Movimento Negro Unificado. De lá para cá, muita caminhada. Contatos com companheiros jornalistas negros, a convergência de idéias para a publicação da Revista Tição, um marco na imprensa alternativa gaúcha na década de 70 e até hoje lembrada. Divergências, o vício do reunismo, rompimentos,e lá vamos para outros grupos – Rua do Perdão, YaDdu entre tantos outros – em busca de projetos e ações concretas para incrementar a luta pela igualdade social.
Em toda esta minha trajetória, eu gostaria de ter tido mais tempo de me dedicar à causa, bem como de ter estudado e ter pesquisado mais, mas a luta pela sobrevivência prevaleceu. Há muito mais para contar, como a vivencia por um período de quatro anos dividindo a sociedade de uma empresa na área de comunicação social no interior do Estado num município que tem sua origem, no inicio do século XX, marcada pelos projetos que incentivaram e favoreceram a vinda de imigrantes italianos, alemães, poloneses, russos e judeus em detrimento à mão-de-obra negra.
De volta a Porto Alegre, a retomada com fôlego jornalístico, através da assessoria de imprensa para Maria Mulher – Organização de Mulheres Negras e pela participação no projeto Negro em Preto e Branco – A História fotográfica da População Negra em Porto Alegre, idealizado e fotografado pela fotógrafa negra Irene Santos, sucesso editorial gaúcho do segundo semestre de 2005. Aos 55 anos casada, mãe de Juliano, 21 anos, sinto-me renovada e estimulada a trabalhar sempre e ser, sem perder o rumo, cada vez mais militante.
1.04.2007
NOVOS QUILOMBOS DE ZUMBI
por Deivison Campos, jornalista e professor da Universidade Luterana do Brasil, publicado originalmente na Revista Comemorativa aos 35 anos da Consciência Negra - 2006 - Seppir/Governo Federal.
As comemorações do dia 20 de novembro surgem, nesse cenário, em contraposição ao treze de maio. Simbolicamente, pretendiam romper com a idéia de liberdade concedida na abolição por uma concepção de liberdade conquistada, tendo em Palmares e Zumbi seu referente. Através da evocação da imagem do quilombo, propunham reestabelecer uma memória coletiva, guardada principalmente na oralidade para transformá-la em memória pública. Buscavam demonstrar, com isso, que havia mais a ser contado do que nos era dado a conhecer pela cultura oficial.
A revisão histórica, proposta pelo Grupo Palmares de Porto Alegre, em 1971, objetivava recuperar a auto-estima étnica e, com isso, tirar a maioria dos negros do imobilismo político e da acomodação aos espaços concedidos por uma sociedade desigual. Os jovens universitários que fundaram o grupo (Oliveira Silveira,Ilmo da Silva e Vilmar Nunes) buscavam uma motivação e uma referência local para canalizar as influências dos movimentos negros internacionais, da contracultura, principalmente a valorização da diferença, e suas próprias inquietações pessoais. O mito de Zumbi e de Palmares é reatualizado num uso funcionalista, para atender essa necessidade.
As políticas de urbanização, implementadas em Porto Alegre, a partir da década de 40, influenciaram diretamente na rearticulação do movimento negro, que havia sido desarticulado no golpe de 1964. As comunidades tradicionais foram para as áreas ainda mais distantes. Em seu fluxo para o trabalho e lazer, tendo o Centro como referência de transporte coletivo, os negros acabaram por criar grupos de interação nesse espaço de convergência.
Ao mesmo tempo em que provocou a pulverização das antigas comunidades em regiões mais periféricas e a desagregação de suas populações, o processo de urbanização criou demandas de identificação para os negros, que antes eram atendidas especialmente. Os referenciais de lugar não mais existiam, restava a referenciação simbólica.
Na conjunção desses elementos simbólicos com a busca por soluções às várias demandas socioeconômicas vivenciadas pela população negra, um grupo de jovens universitários organiza o Grupo Palmares em 1971. A entidade surge com a proposta de construir um novo caminho para o atendimento dessas necessidades sem, com isso, ter que abrir mão de sua condição étnica.
O surgimemnto e as articulações do Grupo Palmares devem ser compreendidos dentro de seu tempo e do contexto local e global. Na década de 70, desemboca uma série de processos, movimentos e manifestações, iniciados com o final da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a ditadura militar acabava com os últimos focos de oposição armada contra o regime, desarticulando toda a "esquerda" que havia optado pela guerrilha como alternativa de construção de uma nova sociedade. A ofensiva contra esses grupos abriu espaço para outros movimentos que se posicionavam, igualmente, contra a ditadura, mas buscavam atuar dentro da esfera legal. Muitos desses grupos enfatizavam a diferença - feminino, homossexual, negro, etc.
A ação de subverter à esfera política e social, realizada pelo Palmares e pelo movimento negro como um todo na década de 70, deu-se principalmente pelo viés cultural, em função do discurso romper com a idéia de uma cultura nacional oficial. A subversão do discurso oficialista deu-se através das três iniciativas: a releitura da história do país, a reelaboração da identidade étnica e a tradução dos ideais dos movimentos negros da diáspora e mesmo na África.
O grupo baseia sua ação na proposta de rever a história brasileira para, com isso, demonstrar aos negros o passado de resistência às diferentes realidades opressoras. Na visão do grupo, o contexto de opressão se mantinha intocado. Os negros, no entanto, haviam se acomodado à marginalização imposta pela estrutura social. O caminho apresentado pelo grupo para a socialização plena do negro na sociedade propunha a retomada dessa tradição de resistência, simbolizada na história pelo Quilombo dos Palmares.
A releitura histórica se dá, num primeiro momento, pela exaltação da biografia de negros que participaram ativamente da história do Brasil, passando num segundo momento a recuperar iniciativas de resistência ao escravismo. Palmares e Zumbi, símbolos desde o primeiro momento, tornam-se também modelos de estruturação de uma nova relação entre os negros e de negociação com a sociedade: resistente e comunitarista.
O Grupo Palmares identifica no quilombo o referencial para construção dessa nova identidade, baseada numa idéia de resistência à realidade opressora, principalmente, no plano simbólico. As ações dos quilombolas, segundo o livro Mini-História do Negro Brasileiro lançado pelo grupo em 1976, são "uma prova de resistência" cultural do povo negro, cujas tradições sobrevivem apesar de submetidas a perseguições no passado e a intença ação descaracterizadora ainda hoje.
Afirmam ainda, através do manifesto de 1974, publicada no Jornal do Brasil, que "Não tendo como outros grupos étnicos, a proteção da tradição histórica, [grande parte dos negros] assimilam o sistema de valores do branco esquecendo seus próprios valores". A partir desse pressuposto, organiza-se a estratégia de, através da revisão historiográfica, "reavivar as verdadeiras raízes culturais do negro brasileiro" (idem), porque "tomando consciência desses fatos [...] vai participar de outra maneira da sociedade brasileira, auto-valorizando-se o que é uma atitude mais positiva do que se integrar às custas de uma alienação cultural". (matéria publicada no Jornal do Brasil, em 13/05/1973).
As informações sobre os movimentos negros na diáspora e na Africa também serviram para dinamizar o processo. As vitórias de movimentos nacionais contra os colonizadores na África e por, outro lado, os movimentos pelos direitos civis nos EUA mostraram ser possível resistir e vencer em estruturas bem mais hostis dos que as enfrentadas no Brasil.
Ao traduzirem essas manifestações e não simplesmente imitá-las, o movimento negro brasileiro reforçou a idéia de uma cultura negra resistente e da existência de um poder negro, ligado a uma tradição refenciada numa África mítica. Se o retorno não acontece na prática, reforça simbolicamente o processo de reafricanização dos negros da diáspora, incluindo o Brasil, consolidando o sentimento de pertencimento a uma origem comum, a base da etnicidade.
A centralidade dos meios de comunicação na cultura contemporânea, a partir desse período, deve ser levada em conta por ter possibilitado fluxo de informações. Por outro lado, é através da imprensa que o Palmares consegue sua legitimação e reconhecimento. Num primeiro momento, foi utilizada como fórum de divulgação de pesquisas passando depois do primeiro manifesto, publicado em 1972 , a ser utilizada como campo de disputa. Esse uso da imprensa pode ser considerado subversivo, pois já nesse período, havia se tornado o principal espaço público da sociedade e, portanto, umas das esferas de sustentação do discurso dominante.
O primeiro ato evocativo ao 20 de Novembro, em 1971, foi restrito e localizado. A estadualização da proposta ocorreu no ano seguinte com a publicação de um caderno especial no Jornal Zero Hora. O caderno deu visibilidade ao grupo que em 13 de maio de 1973 concedeu uma entrevista ao jornal do Brasil, denunciando sua contrariedade as comemorações e ao simbolismo do 13 de maio. Inicia aí o processo de nacionalização, que é reforçado pela publicação do manifesto de 20 de Novembro de 1974 no mesmo jornal e pela realização, a partir de 1975, de semanas do negro por entidades paulistas e cariocas. A consolidação nacional da data ocorre com a criação da MNU, em 1978, que adota a proposta do 20 de Novembo.
A idéia do movimento permeia a trajetória do Grupo Palmares, considerando-se a questão espacial (da periferia ao centro), temporal (atualização de um passado idealizado) e política (da acomodação à ação). Também um posicionamento subversivo, no sentido de enfrentamento no sentido de modificar uma situação pré-existente, está presente desde o surgimento do grupo em julho de 1971, a partir de reuniões realizadas na Rua dos Andradas, perto do local onde hoje é denominado Esquina Democrática, em Porto Alegre.
As transformações buscadas pelos Palmares podem ser resumidas na possibilidade dos negros ocuparem novos lugares sociais do que os concedidos historicamente. A proposta mantém-se até hoje como devir, por alterar o lugar de memória do negro na formação social brasileira e ameaçar o status quo das elites. Ao completar 35 anos de luta pelo direito de ser negro e cidadão brasileiro, os novos quilombolas de Zumbi mantêm as tarefas histórica apontadas por Florestan Fernandes, em seu estudo. A integração do negro na sociedade de classes: "desencadear no Brasil a modernização do sistema de relações raciais; e de provar que os homens precisam identificar-se de forma íntegra e consciente, com os valores que encaram a ordem legal escolhida".
por Deivison Campos, jornalista e professor da Universidade Luterana do Brasil, publicado originalmente na Revista Comemorativa aos 35 anos da Consciência Negra - 2006 - Seppir/Governo Federal.
As comemorações do dia 20 de novembro surgem, nesse cenário, em contraposição ao treze de maio. Simbolicamente, pretendiam romper com a idéia de liberdade concedida na abolição por uma concepção de liberdade conquistada, tendo em Palmares e Zumbi seu referente. Através da evocação da imagem do quilombo, propunham reestabelecer uma memória coletiva, guardada principalmente na oralidade para transformá-la em memória pública. Buscavam demonstrar, com isso, que havia mais a ser contado do que nos era dado a conhecer pela cultura oficial.
A revisão histórica, proposta pelo Grupo Palmares de Porto Alegre, em 1971, objetivava recuperar a auto-estima étnica e, com isso, tirar a maioria dos negros do imobilismo político e da acomodação aos espaços concedidos por uma sociedade desigual. Os jovens universitários que fundaram o grupo (Oliveira Silveira,Ilmo da Silva e Vilmar Nunes) buscavam uma motivação e uma referência local para canalizar as influências dos movimentos negros internacionais, da contracultura, principalmente a valorização da diferença, e suas próprias inquietações pessoais. O mito de Zumbi e de Palmares é reatualizado num uso funcionalista, para atender essa necessidade.
As políticas de urbanização, implementadas em Porto Alegre, a partir da década de 40, influenciaram diretamente na rearticulação do movimento negro, que havia sido desarticulado no golpe de 1964. As comunidades tradicionais foram para as áreas ainda mais distantes. Em seu fluxo para o trabalho e lazer, tendo o Centro como referência de transporte coletivo, os negros acabaram por criar grupos de interação nesse espaço de convergência.
Ao mesmo tempo em que provocou a pulverização das antigas comunidades em regiões mais periféricas e a desagregação de suas populações, o processo de urbanização criou demandas de identificação para os negros, que antes eram atendidas especialmente. Os referenciais de lugar não mais existiam, restava a referenciação simbólica.
Na conjunção desses elementos simbólicos com a busca por soluções às várias demandas socioeconômicas vivenciadas pela população negra, um grupo de jovens universitários organiza o Grupo Palmares em 1971. A entidade surge com a proposta de construir um novo caminho para o atendimento dessas necessidades sem, com isso, ter que abrir mão de sua condição étnica.
O surgimemnto e as articulações do Grupo Palmares devem ser compreendidos dentro de seu tempo e do contexto local e global. Na década de 70, desemboca uma série de processos, movimentos e manifestações, iniciados com o final da Segunda Guerra Mundial. No Brasil, a ditadura militar acabava com os últimos focos de oposição armada contra o regime, desarticulando toda a "esquerda" que havia optado pela guerrilha como alternativa de construção de uma nova sociedade. A ofensiva contra esses grupos abriu espaço para outros movimentos que se posicionavam, igualmente, contra a ditadura, mas buscavam atuar dentro da esfera legal. Muitos desses grupos enfatizavam a diferença - feminino, homossexual, negro, etc.
A ação de subverter à esfera política e social, realizada pelo Palmares e pelo movimento negro como um todo na década de 70, deu-se principalmente pelo viés cultural, em função do discurso romper com a idéia de uma cultura nacional oficial. A subversão do discurso oficialista deu-se através das três iniciativas: a releitura da história do país, a reelaboração da identidade étnica e a tradução dos ideais dos movimentos negros da diáspora e mesmo na África.
O grupo baseia sua ação na proposta de rever a história brasileira para, com isso, demonstrar aos negros o passado de resistência às diferentes realidades opressoras. Na visão do grupo, o contexto de opressão se mantinha intocado. Os negros, no entanto, haviam se acomodado à marginalização imposta pela estrutura social. O caminho apresentado pelo grupo para a socialização plena do negro na sociedade propunha a retomada dessa tradição de resistência, simbolizada na história pelo Quilombo dos Palmares.
A releitura histórica se dá, num primeiro momento, pela exaltação da biografia de negros que participaram ativamente da história do Brasil, passando num segundo momento a recuperar iniciativas de resistência ao escravismo. Palmares e Zumbi, símbolos desde o primeiro momento, tornam-se também modelos de estruturação de uma nova relação entre os negros e de negociação com a sociedade: resistente e comunitarista.
O Grupo Palmares identifica no quilombo o referencial para construção dessa nova identidade, baseada numa idéia de resistência à realidade opressora, principalmente, no plano simbólico. As ações dos quilombolas, segundo o livro Mini-História do Negro Brasileiro lançado pelo grupo em 1976, são "uma prova de resistência" cultural do povo negro, cujas tradições sobrevivem apesar de submetidas a perseguições no passado e a intença ação descaracterizadora ainda hoje.
Afirmam ainda, através do manifesto de 1974, publicada no Jornal do Brasil, que "Não tendo como outros grupos étnicos, a proteção da tradição histórica, [grande parte dos negros] assimilam o sistema de valores do branco esquecendo seus próprios valores". A partir desse pressuposto, organiza-se a estratégia de, através da revisão historiográfica, "reavivar as verdadeiras raízes culturais do negro brasileiro" (idem), porque "tomando consciência desses fatos [...] vai participar de outra maneira da sociedade brasileira, auto-valorizando-se o que é uma atitude mais positiva do que se integrar às custas de uma alienação cultural". (matéria publicada no Jornal do Brasil, em 13/05/1973).
As informações sobre os movimentos negros na diáspora e na Africa também serviram para dinamizar o processo. As vitórias de movimentos nacionais contra os colonizadores na África e por, outro lado, os movimentos pelos direitos civis nos EUA mostraram ser possível resistir e vencer em estruturas bem mais hostis dos que as enfrentadas no Brasil.
Ao traduzirem essas manifestações e não simplesmente imitá-las, o movimento negro brasileiro reforçou a idéia de uma cultura negra resistente e da existência de um poder negro, ligado a uma tradição refenciada numa África mítica. Se o retorno não acontece na prática, reforça simbolicamente o processo de reafricanização dos negros da diáspora, incluindo o Brasil, consolidando o sentimento de pertencimento a uma origem comum, a base da etnicidade.
A centralidade dos meios de comunicação na cultura contemporânea, a partir desse período, deve ser levada em conta por ter possibilitado fluxo de informações. Por outro lado, é através da imprensa que o Palmares consegue sua legitimação e reconhecimento. Num primeiro momento, foi utilizada como fórum de divulgação de pesquisas passando depois do primeiro manifesto, publicado em 1972 , a ser utilizada como campo de disputa. Esse uso da imprensa pode ser considerado subversivo, pois já nesse período, havia se tornado o principal espaço público da sociedade e, portanto, umas das esferas de sustentação do discurso dominante.
O primeiro ato evocativo ao 20 de Novembro, em 1971, foi restrito e localizado. A estadualização da proposta ocorreu no ano seguinte com a publicação de um caderno especial no Jornal Zero Hora. O caderno deu visibilidade ao grupo que em 13 de maio de 1973 concedeu uma entrevista ao jornal do Brasil, denunciando sua contrariedade as comemorações e ao simbolismo do 13 de maio. Inicia aí o processo de nacionalização, que é reforçado pela publicação do manifesto de 20 de Novembro de 1974 no mesmo jornal e pela realização, a partir de 1975, de semanas do negro por entidades paulistas e cariocas. A consolidação nacional da data ocorre com a criação da MNU, em 1978, que adota a proposta do 20 de Novembo.
A idéia do movimento permeia a trajetória do Grupo Palmares, considerando-se a questão espacial (da periferia ao centro), temporal (atualização de um passado idealizado) e política (da acomodação à ação). Também um posicionamento subversivo, no sentido de enfrentamento no sentido de modificar uma situação pré-existente, está presente desde o surgimento do grupo em julho de 1971, a partir de reuniões realizadas na Rua dos Andradas, perto do local onde hoje é denominado Esquina Democrática, em Porto Alegre.
As transformações buscadas pelos Palmares podem ser resumidas na possibilidade dos negros ocuparem novos lugares sociais do que os concedidos historicamente. A proposta mantém-se até hoje como devir, por alterar o lugar de memória do negro na formação social brasileira e ameaçar o status quo das elites. Ao completar 35 anos de luta pelo direito de ser negro e cidadão brasileiro, os novos quilombolas de Zumbi mantêm as tarefas histórica apontadas por Florestan Fernandes, em seu estudo. A integração do negro na sociedade de classes: "desencadear no Brasil a modernização do sistema de relações raciais; e de provar que os homens precisam identificar-se de forma íntegra e consciente, com os valores que encaram a ordem legal escolhida".
10.25.2006
NOTA SOBRE ESTUDOS DE MÍDIA ÉTNICA
por Sátira Machado
A Imprensa chega ao Brasil em 1808 e em 1833 os afro-brasileiros já editavam periódicos, dando visibilidade às questões étnico/raciais através de uma imprensa alternativa negra.
A brasileira Profª Drª Raquel Paiva salienta que na sociedade contemporânea a identidade construída a partir de uma estrutura social, antes determinada pelas mediações tradicionais como a família, a religião, o Estado, a escola e o trabalho, é atravessada pela estrutura da mídia, que assume um lugar social.
No exercício de elaboração da identidade negra, ao longo dos anos, os afro-brasileiros apropriam-se de jornais, de revistas, de rádios, do cinema, da televisão, da web, entre outras mídias e passam a incluir os meios de comunicação em suas estratégias de reconhecimento.
O estadunidense Prof. Dr. John Thompson elabora uma teoria social da mídia e salienta que os teóricos sociais têm dado pouca importância ao poder simbólico dos meios de comunicação, que vem transformando o mundo desde a crescente circulação de materiais impressos no século XV até o advento da Internet.
Estudos sobre a Imprensa Negra do Brasil têm se multiplicado nos núcleos de pesquisas das Universidades como: Grupo de Estudos em Mídias e Etnicidades, da Faculdade de Comunicação (Facom), da Universidade Federal da Bahia (criado em 1997); o Grupo Mídia e Etnia, da ECA/USP (criado 2002); o Departamento de Estudos Culturais e Mídia (GEC), do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense (criado em 2003); e também o Grupo Mídia e Multiculturalismo, coordenado pela Profª Denise Cogo, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, que também inclui pesquisas sobre a relação entre a mídia e os afro-brasileiros.
por Sátira Machado
A Imprensa chega ao Brasil em 1808 e em 1833 os afro-brasileiros já editavam periódicos, dando visibilidade às questões étnico/raciais através de uma imprensa alternativa negra.
A brasileira Profª Drª Raquel Paiva salienta que na sociedade contemporânea a identidade construída a partir de uma estrutura social, antes determinada pelas mediações tradicionais como a família, a religião, o Estado, a escola e o trabalho, é atravessada pela estrutura da mídia, que assume um lugar social.
No exercício de elaboração da identidade negra, ao longo dos anos, os afro-brasileiros apropriam-se de jornais, de revistas, de rádios, do cinema, da televisão, da web, entre outras mídias e passam a incluir os meios de comunicação em suas estratégias de reconhecimento.
O estadunidense Prof. Dr. John Thompson elabora uma teoria social da mídia e salienta que os teóricos sociais têm dado pouca importância ao poder simbólico dos meios de comunicação, que vem transformando o mundo desde a crescente circulação de materiais impressos no século XV até o advento da Internet.
Estudos sobre a Imprensa Negra do Brasil têm se multiplicado nos núcleos de pesquisas das Universidades como: Grupo de Estudos em Mídias e Etnicidades, da Faculdade de Comunicação (Facom), da Universidade Federal da Bahia (criado em 1997); o Grupo Mídia e Etnia, da ECA/USP (criado 2002); o Departamento de Estudos Culturais e Mídia (GEC), do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense (criado em 2003); e também o Grupo Mídia e Multiculturalismo, coordenado pela Profª Denise Cogo, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, que também inclui pesquisas sobre a relação entre a mídia e os afro-brasileiros.
10.23.2006
NÚCLEO DE JORNALISTAS AFRO-DESCENDENTES
DO SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DO RIO GRANDE DO SUL
por Santa Irene, Jeanice Ramos e Vera Daisy Barcellos
O Núcleo de Jornalistas Afro-descendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul foi criado em 2001, para atender as demandas do Comitê Afro-Brasileiro do Fórum Social Mundial. A necessidade foi repassada a jornalistas militantes do Movimento Negro, durante o ano de 2000, depois de os negros de todo o mundo terem enfrentado enormes dificuldades para tornarem visíveis sua participação e ações durante o I Fórum Social Mundial, sem nenhum apoio para a divulgação de sua participação.
As constatações do Movimento Negro organizado comprovavam a invisibilidade dos negros no Brasil e o desinteresse dos veículos de comunicação por suas causas e ações.
Em meados de 2000 a demanda foi encaminhada à Diretoria do Sindicato dos Jornalistas e indicado o nome da Jornalista Santa Irene Lopes de Araújo (militante do Movimento) para atuar na coordenação do Núcleo na Comissão do Comitê Afro-Brasileiro. Receptiva à solicitação, a diretoria sugeriu, então, a criação de um Núcleo, que congregaria jornalistas afro-descendentes e daria apoio durante o II Fórum Social Mundial em 2001.
No primeiro momento o Núcleo foi constituído pelas jornalistas Santa Irene e Jeanice Ramos, que convidaram outros colegas afro-descendentes para definirem a linha política e as ações do Núcleo.
Desde então algumas reuniões foram realizadas, com apoio do presidente do Sindijor, José Carlos Torves e outros membros da diretoria. Mas as dificuldades de identidade e de comprometimento orgânico com as demandas da etnia, que permeiam historicamente a sociedade brasileira, foi um obstáculo intransponível, impedindo que o Núcleo tomasse forma. Mesmo assim, com esforço de alguns, muitas tarefas foram cumpridas e o Núcleo esteve presente em diversas atividades organizadas pelo Movimento Negro, nestes três anos.
Ao mesmo tempo em que os incentivadores do Núcleo encontravam resistência dos jornalistas à participação orgânica, comunicadores de emissoras de rádio, televisão, veículos comunitários (jornais e rádios), relações públicas e publicitários afro-descendentes participavam voluntariamente e manifestavam a vontade de se integrarem ao Núcleo.
Durante as comemorações da Semana da Consciência Negra de 2003, no Quilombo Zumbi dos Palmares, comunicadores de diversas áreas passaram a colaborar voluntariamente com o Núcleo. Foi decidida, então, a formalização do Núcleo de Comunicadores Afrodescendentes no Sindijor-RS, que hoje conta com um cadastro de 64 comunicadores, dos quais 32 participam eporadicamente e nove estão atuando de forma permanente, discutindo as questões da etnia nos meios de comunicação, buscando a definição de políticas que reconheçam e legitimem suas especificidades, manifestações culturais e forma de viver próprias, legados deixados à população brasileira pelos ancestrais africanos. Os profissionais de comunicação afro-brasileiros preocupam-se e buscam – cumprindo seu dever de ofício – o reconhecimento, valorização e respeito pelas características específicas de sua etnia nos meios onde atuam profissionalmente e em todas as instâncias sociais, políticas e econômicas do Estado e do País.
CONFIRA NO SITE www.jornalistas-rs.org.br
TESES APROVADAS NOS CONGRESSOS:
XXXI Congresso Estadual dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul
XXXI Congresso Nacional dos Jornalistas / João Pessoa – Paraiba/2004
SEMINÁRIO:"O Negro na Mídia - a Invisibilidade da Cor"
O Negro na Mídia: a invisibilidade da cor. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul. Núcleo de Comunicadores Afro-brasileiros. Porto Alegre, Sindjor, 2005.
DO SINDICATO DOS JORNALISTAS PROFISSIONAIS DO RIO GRANDE DO SUL
por Santa Irene, Jeanice Ramos e Vera Daisy Barcellos
O Núcleo de Jornalistas Afro-descendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul foi criado em 2001, para atender as demandas do Comitê Afro-Brasileiro do Fórum Social Mundial. A necessidade foi repassada a jornalistas militantes do Movimento Negro, durante o ano de 2000, depois de os negros de todo o mundo terem enfrentado enormes dificuldades para tornarem visíveis sua participação e ações durante o I Fórum Social Mundial, sem nenhum apoio para a divulgação de sua participação.
As constatações do Movimento Negro organizado comprovavam a invisibilidade dos negros no Brasil e o desinteresse dos veículos de comunicação por suas causas e ações.
Em meados de 2000 a demanda foi encaminhada à Diretoria do Sindicato dos Jornalistas e indicado o nome da Jornalista Santa Irene Lopes de Araújo (militante do Movimento) para atuar na coordenação do Núcleo na Comissão do Comitê Afro-Brasileiro. Receptiva à solicitação, a diretoria sugeriu, então, a criação de um Núcleo, que congregaria jornalistas afro-descendentes e daria apoio durante o II Fórum Social Mundial em 2001.
No primeiro momento o Núcleo foi constituído pelas jornalistas Santa Irene e Jeanice Ramos, que convidaram outros colegas afro-descendentes para definirem a linha política e as ações do Núcleo.
Desde então algumas reuniões foram realizadas, com apoio do presidente do Sindijor, José Carlos Torves e outros membros da diretoria. Mas as dificuldades de identidade e de comprometimento orgânico com as demandas da etnia, que permeiam historicamente a sociedade brasileira, foi um obstáculo intransponível, impedindo que o Núcleo tomasse forma. Mesmo assim, com esforço de alguns, muitas tarefas foram cumpridas e o Núcleo esteve presente em diversas atividades organizadas pelo Movimento Negro, nestes três anos.
Ao mesmo tempo em que os incentivadores do Núcleo encontravam resistência dos jornalistas à participação orgânica, comunicadores de emissoras de rádio, televisão, veículos comunitários (jornais e rádios), relações públicas e publicitários afro-descendentes participavam voluntariamente e manifestavam a vontade de se integrarem ao Núcleo.
Durante as comemorações da Semana da Consciência Negra de 2003, no Quilombo Zumbi dos Palmares, comunicadores de diversas áreas passaram a colaborar voluntariamente com o Núcleo. Foi decidida, então, a formalização do Núcleo de Comunicadores Afrodescendentes no Sindijor-RS, que hoje conta com um cadastro de 64 comunicadores, dos quais 32 participam eporadicamente e nove estão atuando de forma permanente, discutindo as questões da etnia nos meios de comunicação, buscando a definição de políticas que reconheçam e legitimem suas especificidades, manifestações culturais e forma de viver próprias, legados deixados à população brasileira pelos ancestrais africanos. Os profissionais de comunicação afro-brasileiros preocupam-se e buscam – cumprindo seu dever de ofício – o reconhecimento, valorização e respeito pelas características específicas de sua etnia nos meios onde atuam profissionalmente e em todas as instâncias sociais, políticas e econômicas do Estado e do País.
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TESES APROVADAS NOS CONGRESSOS:
XXXI Congresso Estadual dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul
XXXI Congresso Nacional dos Jornalistas / João Pessoa – Paraiba/2004
SEMINÁRIO:"O Negro na Mídia - a Invisibilidade da Cor"
O Negro na Mídia: a invisibilidade da cor. Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado do Rio Grande do Sul. Núcleo de Comunicadores Afro-brasileiros. Porto Alegre, Sindjor, 2005.
MÍDIA NEGRA: APONTAMENTOS
Palestra proferida por Sátira Machado, na III Jornada de Estudos Afro-Brasileiros do GT Negros da ANPH, no Memorial do Rio Grande do Sul, em 2005.
Os meios de comunicação têm um papel importante na desconstrução das desigualdades sociais no Brasil que atingem diretamente os afro-brasileiros . No século XXI, já não basta dar visibilidade ao fenótipo negro na mídia. À luz da responsabilidade social, a mídia deve respeitar a história, a memória e a tradição dos afro-brasileiros. Deve valorizar a participação cultural, social e econômica da comunidade negra no desenvolvimento do Brasil bem como, noticiar aspectos positivos do continente africano.
Neste trabalho, ao listar diversas informações, pretendo estimular novas investigações e reflexões sobre a relação entre os afro-brasileiros e a mídia, sem a pretensão de esgotar o tema que é rico, dinâmico, suscita muitas e muitas leituras, mais e mais debates.
MÍDIA NO SÉCULO XXI:
NÓS SOMOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Na sociedade contemporânea, a identidade construída a partir de uma estrutura social, antes determinada pelas mediações tradicionais como a família, a religião, o Estado, a escola e o trabalho, agora é atravessada pela estrutura da mídia, que assume um lugar social ao ditar condutas padronizadas para diferentes populações (PAIVA, 2001).
John Thompson elabora uma teoria social da mídia e salienta que os teóricos sociais têm dado pouca importância ao poder simbólico dos meios de comunicação, que vem transformando o mundo desde a crescente circulação de materiais impressos no século XV até o advento da Internet (THOMPSON, 1998).
Na atualidade, a comunicação é interpretada como um processo simbólico que transforma a realidade. A interação com os meios envolvem reelaborações realizadas pelos sujeitos, influenciados por seus grupos sociais e culturais. Nesse contexto, o sentido de cultura passa a ter relação com a produção de sentidos, deixando de ser apenas recebida, agora considerando o sujeito um agente, criativo, que pratica cultura. Carregada de intervenções, o ambiente da comunicação e da cultura inclui as disputas, os conflitos e os enfrentamentos nas relações de poder de uma sociedade dinâmica e plural.
Conscientes disso, afro-brasileiros comunicam-se cada vez mais e apropriam-se de jornais, filmes, rádios, revistas, vídeos, da televisão e da Internet, entre outros meios de comunicação, para a afirmação da identidade negra.
IMPRENSA NEGRA:
CONTRA O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
A Imprensa chega ao Brasil em 1808 e desde 1833 os afro-brasileiros editam periódicos para reagir ao mito da democracia racial brasileira, dando visibilidade às questões raciais através de uma imprensa alternativa negra, num contraponto à grande imprensa brasileira.
Nas décadas de 30 e 40, a teoria de Gilberto Freyre sobre a democracia racial brasileira, baseada na miscigenação sexual, era aceita pelos intelectuais da cultura dominante, mas contestada pela imprensa negra. Nos anos 50 e 60, novas concepções da identidade nacional foram estudadas por Florestan Fernandes e revisionistas da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, questionando o mito da democracia racial. (ANDREWS, 1997).
Os geneticistas têm desmoralizado o conceito de raças. No entanto, o Movimento Negro baseia o conceito de raça na dimensão social e política do termo, uma vez que quando se fala em racismo no Brasil logo se pensa no negro. A discriminação racial brasileira tem relação com aspectos culturais, sociais, econômicos, físicos e estéticos, que atingem diretamente os afro-brasileiros. Construir uma identidade negra positiva na sociedade brasileira, que ensina aos negros que para ser aceito é preciso rejeitar seu jeito de ser, é um desafio para todos os brasileiros (GOMES, 2005).
No exercício de elaboração da identidade negra , ao longo dos anos, os afro-brasileiros publicaram vários jornais. No Rio Grande do Sul, a imprensa negra é legitimada com periódicos como: O Exemplo (Porto Alegre, 1892-1930, num total de 37 anos de publicação), A Cruzada (Pelotas, 1905), A Alvorada (Pelotas, 1907- 1910, 1930 – 1937 e 1946 – 1957), A Navalha (Santana do Livramento, 1931), A Revolta (Bagé,1925), A Hora (Rio Grande, 1917-1934), entre outros (SANTOS, s/d).
Jacira Reis da Silva estuda as mulheres negras e a participação delas na luta por educação através do jornal A Alvorada, de Pelotas. Ela ressalta o papel alternativo desse periódico na formação cultural e educacional da comunidade negra, bem como a presença marcante das mulheres negras na imprensa negra pelotense. Diz que o significado do jornal A Alvorada torna-se ainda maior, na medida em que ele é portador das vozes de mulheres negras, em períodos históricos onde o espaço público, ainda, é predominantemente ocupado por homens brancos (SILVA, 2001).
Ainda no RS, Oliveira Silveira destaca a publicação de informativos de clubes fundados pela sociedade negra, a exemplo de alguns periódicos ligados a Associação Satélite Prontidão, ao Clube Náutico Marcílio Dias e a Sociedade Floresta Aurora. Em 1971, Ano Internacional para Ações de Combate ao Racismo e a Discriminação Racial – ONU, a grande imprensa gaúcha abre espaço para a divulgação da primeira evocação ao "Dia Nacional da Consciência Negra” do Brasil, que foi celebrado na sede do Clube Marcílio Dias, em Porto Alegre. A escolha da data foi fruto de encontros de negros na Rua dos Andradas, que resultou na criação do Grupo Palmares, do movimento negro do Rio Grande do Sul (SILVEIRA, 2003) .
Nas décadas de 70 e 80, Tição é o marco da imprensa negra gaúcha. Redatores como Edilson Nabarro, Irene Santos, Jeanice Viola, Jones Lopes, Jorge Freitas, Oliveira Silveira, Valter Carneiro, Vera Daisy Barcellos, Vera Lúcia Lopes, fotógrafos, ilustradores, colaboradores, editores gráficos e muitos outros comunicadores negros publicam o Tição (Revista 1978 – 1979 e Jornal em 1980), motivando o debate sobre as várias faces da negritude (SILVEIRA, 2005).
DIREITO À COMUNICAÇÃO:
QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS (DH)
A ONU – Organização das Nações Unidas foi instituída em 1945, por vários estados-membros. Em 1948, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um instrumento de proteção dos DH que atribui à “Toda pessoa o direito (...) de buscar, receber e enviar informações”.
Após a Segunda Guerra Mundial (1949) foram criados dois Sistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos, os sistemas Global e Regionais. Os sistemas encontram-se em reuniões, assembléias, cúpulas e realizam conferências mundiais para receber recomendações dos estados-membros. Elaboram declarações, convenções, pactos, tratados, protocolos, programas de ação e comentários gerais que são adotados por comitês, cortes e comissões responsáveis por análises de petições e publicações de relatórios pertinentes aos DH.
O Sistema Global está ligado às Nações Unidas e os Sistemas Regionais abrangem o Sistema Europeu, o Sistema Africano e o Sistema Interamericano da OEA - Organização dos Estados Americanos. Em 1963, a ONU aprovou a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (ALMEIDA, 2006).
Desde então, a mídia passa a ser alvo de denúncias contra a violação dos Direitos Humanos. Por exemplo, em 1968, o presidente Lyndon Johnson dos EUA, reconhecendo as ações discriminatórias da mídia estadunidense, recomenda a formação da Comissão Kerner, em prol da preservação dos direitos civis dos afro-descendentes norte-americanos na mídia (CONCEIÇÃO, 2005).
Na década de 70, a ONU patrocinou a publicação do Relatório Mac Bride. Nele, a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas de Comunicação a respeito da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação – NOMIC incluiu a diversidade cultural nas questões de mídia. No Brasil, organizações como a CRIS Brasil, Intervozes, Jornal Brasil de Fato, Instituto de Mídia Étnica, Projeto Calaboca Já Morreu, Sociedade Cultural Dombali, entre outras frentes, muito têm trabalhado pelos DH na mídia.
Em 25 de fevereiro de 2005, o presidente da CIDH – Comissão Interamericana de DH da OEA, Clare K. Roberts (negro), criou a Relatoria Especial sobre os Direitos dos Afro-descendentes e contra a Discriminação Racial, passando a recomendar reparações efetivas a cerca da violação dos DH nas Américas . Em junho de 2005, Clare Robert recebeu a comissão de comunicadores afro-brasileiros, presentes na 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. A comissão elaborou um diagnóstico nacional de como a mídia brasileira vem comprometendo a memória e a tradição da comunidade negra.
Em 2005, o ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS: Direito Humano à Comunicação - um mundo, muitas vozes, realizado pela Câmara dos Deputados (Comissão de Direitos Humanos e Minorias – Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos) dá dimensão nacional à reflexão sobre as violações dos direitos dos afro-brasileiros na mídia, que está diretamente relacionado à propagação do racismo nos meios de comunicação brasileiros.
RACISMO NA MÍDIA:
A CONTRA PROPOSTA
Em 1995, por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, assassinado em 1665, ocorreu a Marcha Zumbi quando o Movimento Negro brasileiro se reuniu na Esplanada dos Ministérios em Brasília, para reivindicar justiça social. Nesse ano, a Folha de São Paulo patrocinou uma pesquisa para medir o grau de preconceito racial do brasileiro, ofuscado pelo mito da democracia racial no país. O caderno especial lançado pela Folha foi chamado de “Racismo Cordial”, denotando a dissimulação do racismo no Brasil, que pode ser medido nas desigualdades sociais que atingem os afro-brasileiros (CONCEIÇÃO, 2005).
Muniz Sodré analisa o papel da mídia em produzir e reproduzir o preconceito, conceituando o racismo midiático. Sodré enumera quatro fatores que efetivam sua análise: 1) a negação, quando a mídia tenta negar a existência do racismo, apesar de noticiar casos de violações flagrantes; 2) o recalcamento, quando a História do negro no Brasil ou nas Américas não é divulgada de forma positiva na mídia; 3) a estigmatização, quando a mídia cria estereótipos que levam a discriminação; e 4) a indiferença profissional, quando a desvalorização – profissional e cultural – do comunicador negro atinge a mídia (SODRÉ, 1998).
Em 2006, por exemplo, a mídia gaúcha veiculou o episódio que envolveu os jogadores do Juventude de Caxias e do Grêmio. Durante a partida, o zagueiro Antonio Carlos ofendeu o jogador gremista Jeovânio (negro), ao referir-se a sua cor. Infelizmente, a mídia tem reduzido o debate sobre as questões que envolvem os afro-brasileiros supervalorizando violações flagrantes como o racismo no futebol ou divulgando debates conflitantes a respeito das cotas.
A imagem estereotipada do negro na teledramaturgia é uma das perspectivas estudadas pelo pesquisador Joel Zito Araújo no livro A negação do Brasil. Ao analisar 174 telenovelas do período de 1964 a 1997, ele aponta o tratamento dado à maioria das personagens negras na tevê, que ainda reforça o mito da democracia racial como mantenedor das desigualdades étnico-sociais no Brasil (ARAÚJO, 2000).
Em 2004, o filme do cineasta Joel Zito, “Filhas do Vento”, recebeu 8 Kikitos no Festival de Cinema de Gramado/RS. As declarações controversas do presidente do júri, Rubens Ewald Filho, que disse ser a prêmiação uma concessão no Estado mais racista do país, fez o elenco sugerir a devolução dos kikitos, chamando a atenção de todo o Brasil para as questões de racismo na mídia.
No XXVII INTERCOM (PUCRS/POA), Dennis de Oliveira e Maria Ângela Pavan apresentaram uma analise da novela Da Cor do Pecado, protagonizada por Taís Araújo na Rede Globo. Ao descrever as estratégias e movimentos das personagens, enumeram possibilidades de relações raciais veiculadas na trama, como: a) ao assumir a identidade racial negra e partir para a confrontação, há uma desqualificação da imagem da personagem através da punição ou isolamento; b) a postura abertamente racista, de segregação e abuso do poder, leva a desvalorização moral da imagem, à vitórias pontuais, mas numa perspectiva de derrota; c) a postura de passividade e de vitimização é assumida pela heroína da história; d) a postura de preconceito velado com possibilidades de abertura, denota tolerância; e) a postura de solidariedade é reforçada por normas morais pretensamente universais (OLIVEIRA, 2004).
Na Internet o racismo é explícito. A Agência Afro-Étnica de Notícias (Afropress) é um projeto da ONG ABC sem Racismo/SP que mantém o site www.afropress.com. A Afropress tem sofrido ataques de hackers racistas que a tiram do ar, ao provocar a lentidão do servidor que a hospeda e divulgam várias mensagens discriminatórias dirigidas ao jornalista Dojival Vieira. O Ministério Público identificou o hacker através de programas especializados de Internet. O criminoso está respondendo processo de racismo e várias entidades de mídia étnica realizaram campanhas de apoio à Afropress.
Na contramão da história da tevê brasileira, a TV DA GENTE foi ao ar no dia 20 de novembro de 2005. A TV DA GENTE é a primeira emissora brasileira que pretende dar ampla visibilidade ao universo dos afro-brasileiros na mídia. O canal é do músico, ator, apresentador e empresário afro-brasileiro José de Paula Neto (Netinho de Paula). O projeto inclui a contratação de uma maioria de profissionais negros, a veiculação da cultura africana e afro-brasileira em sua programação e a divulgação de produtos de consumo para afro-brasileiros. Em maio de 2006, a TV DA GENTE está no ar em São Paulo pelo canal 24 UHF, no Ceará pelo canal 19 UHF (local da concessão do canal) em Portugal pelo canal 8 da operadora Eletrônica Comunicações. Através de antena parabólica, os satélites transmitem para todo o Brasil, para a África, a Europa, parte da Ásia e da costa leste dos Estados Unidos e a transmissão ainda prevê o acesso via WEBTV ONLINE (www.tvdagente.com.br).
MEIOS DE COMUNICAÇÃO:
AÇÕES AFIRMATIVAS
O projeto de Lei Nº 3.198/2000, de autoria do senador Paulo Paim, institui o ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL. O estatuto tem o objetivo de combater a discriminação e as desigualdades raciais, bem como incluir a dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. O capítulo VIII do estatuto versa sobre os meios de comunicação. Exige que a mídia respeite a herança cultural dos afro-brasileiros, dê visibilidade aos afro-brasileiros, dê oportunidades de trabalho aos comunicadores afro-brasileiros e seja punida se incitar à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional na mídia (PAIM, 2003).
Em 2000, ocorreram várias reuniões nas Américas sobre iniciativas de combate ao racismo e todas as formas de discriminação. Em 21 de agosto de 2001, foi realizado o Seminário Mídia e Racismo na Universidade Cândido Mendes/RJ. Muitos dos comunicadores, dos profissionais, dos pesquisadores e dos artistas que participaram desse encontro representaram o Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban na África do Sul, entre 30 de agosto a 7 de setembro de 2001 .
Em janeiro de 2003, a Lei 10.639/2003 entrou em vigor. De autoria do deputado Ben Hur Ferreira e da deputada Esther Grossi, a lei torna obrigatório “o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”, “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” e dá outras atribuições. A Lei 10.639/2003 tem mobilizado várias frentes, inclusive projetos de mídia, multiplicando as ações afirmativas em benefício da comunidade negra brasileira .
Criada em março de 2003 e ligada diretamente ao Governo Federal Brasileiro, a SEPPIR - SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL deu status de ministra à militante negra Matilde Ribeiro. De forma transversal, a ministra passou a influenciar todos os ministérios nas mesas de negociação, em prol da promoção da igualdade racial em várias áreas, impulsionado reflexões também na América Latina. A SEPPIR é uma conquista do Movimento Negro do Brasil e promove a igualdade racial da comunidade negra, mas também das comunidades indígena, cigana, árabe-palestina e judaica.
Entre várias outras ações, a SEPPIR mobilizou todos os Estados do Brasil ao propor a realização de conferências estaduais para a eleição de delegados que participaram da 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – 1ªCONAPIR, em 2005. A SEPPIR e a Sub-Comissão de Comunicação da 1ªCONAPIR convidaram vários comunicadores, jornalistas e voluntários que atuam em meios de comunicação voltados para o público negro para a cobertura do evento. Os eixos temáticos da conferência nacional não previam um grupo de trabalho sobre políticas para a mídia. No entanto, tais comunicadores formaram um GT de Mídia Étnica e articularam a moção e o manifesto contra o apartheid midiático no Brasil. No documento, estabelecem diretrizes de comunicação a serem incluídos no Plano Nacional da Igualdade Racial, aprovados na plenária da Conferência.
Em 2005, Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a SEPPIR também lançou o projeto A Cor da Cultura (www.acordacultura.org.br), em parceria com a Petrobrás, o Cidan - Centro Brasileiro de Identidade e Documentação do Artista Negro, a TV Globo e a Fundação Roberto Marinho, por meio do Canal Futura.
No programa Ação da TV Globo, o apresentador Serginho Groisman passou a exibir várias reportagens sobre a cultura afro-brasileira, como por exemplo, as ações da ONG Maria Mulher em bairros de Porto Alegre. A ex-Big Brother Brasil I, Vanessa Melani Pascale Ekpenyong passou a ser a apresentadora infantil (negra) do projeto A cor da Cultura no Canal Futura. Nele, a série Livros Animados traz lendas e contos africanos e afro-brasileiros, além da produção dos principais autores e ilustradores nacionais, para crianças de todo o Brasil.
Vale ressaltar, que as múltiplas ações do Movimento Negro têm multiplicado a implantação de secretarias, assessorias e coordenadorias instaladas em órgãos públicos municipais, estaduais e federais para atender a demanda da promoção da igualdade racial, e que essas também incluem a temática da mídia em suas agendas.
ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS:
A HORA E A VEZ DA ACADEMIA
Desde 1947, escolas de jornalismo são criadas no Brasil e posteriormente escolas de cinema e publicidade. Em 1960, as faculdades de comunicação surgem no ensino superior, incluindo as áreas de relações públicas, editoração, rádio e televisão. Em 1977, nasce a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), que ao longo dos anos tem motivado os pesquisadores a estudarem temas relacionados à mídia, à diversidade cultural e ao direito à cidadania.
Há anos, o jornalista e antropólogo Iosvaldyr Carvalho Bittencourt reflete sobre a invisibilidade do negro na mídia gaúcha. Ele foi um dos pioneiros a debater o tema nas salas de aula da Famecos - Faculdade de Comunicação da PUCRS, onde era professor (negro). Ele acredita que as escolas de comunicação são um importante instrumento de desconstrução do racismo na sociedade brasileira, para além das cotas.
No Brasil, segundo o Ministério da Educação, existem 324 cursos de jornalismo. Porém, somente nas últimas décadas, os estudos do negro na mídia são institucionalizados na academia com o Grupo de Estudos em Mídias e Etnicidades, da Faculdade de Comunicação (Facom), da Universidade Federal da Bahia (criado em 1997); o Grupo Mídia e Etnia, da ECA/USP (criado 2002); e o Departamento de Estudos Culturais e Mídia (GEC), do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense (criado em 2003), propiciando um impacto científico.
O Grupo Mídia e Multiculturalismo, coordenado pela Profª Denise Cogo, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, também inclui pesquisas sobre a relação entre a mídia e os afro-brasileiros. No Google, aparecem cerca de 117 núcleos de estudos sobre os afro-descendentes nas Universidades dos EUA (Historically Black American Colleges and Universities/USA). No Brasil, existem cerca de 30 centros de estudos com a temática do negro em várias áreas do conhecimento, que vem se multiplicando a cada ano. Os primeiros foram o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao), da Universidade da Bahia (1960); o Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido Mendes/RJ (1973); e o Centro de Estudos Africanos, da USP (1978) (OLIVA, 2005).
OS GAÚCHOS E A MÍDIA:
GUERREIROS & GUERREIRAS
Em 1987, Susana Ribeiro e Juarez Ribeiro criaram o Cecune - Centro Ecumênico de Cultura Negra, em Porto Alegre. Desde então, são protagonistas no projeto Universidade Livre - Curso de Cidadania e Reconstrução da identidade Étnica; realizam mostras de cinema e vídeo com o recorte étnico negro; editam o Jornal Como é (1995 – 1998); publicam a Revista Conexão Negra (a partir de 2003); montam espetáculos musicais com gravação do repertório em CDs; mantém o coral Cecune Comunicação; realizam oficinas de produção de bonecas e artigos étnicos; e marcam presença na tradicional Feira do Livro de Porto Alegre, disponibilizando livros da temática do negro, inclusive bibliografias de comunicação, na Banca do Cecune.
Em 2001, foi criado o Núcleo de Jornalistas Afro-descendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul. Santa Irene e Jeanice Ramos impulsionaram a criação do núcleo gaúcho, que já conta com um cadastro de 64 comunicadores sindicalizados. Em 2004, Vera Daisy Barcellos, Vera Cardoso, Silvia Abreu, Everton Costa (Tom), entre outros comunicadores, não mediram esforços para realizar I Seminário O Negro na Mídia: a invisibilidade da cor, em Porto Alegre, para debater os reflexos do preconceito na mídia. O núcleo do RS mantém interlocuções com a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas/SP (Cojira –SP) e com a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas/RJ (Cojira-RJ), também para a inclusão da temática na agenda nacional da Federação de Jornalistas.
O documentarista , radialista e DJ Claudinho Pereira muito tem contribuído com a divulgação da cultura afro-brasileira para os gaúchos. O documentário “Ilha Negra”, sobre as congadas da comunidade da região de Osório-RS - Terno de Maçambique e o documentário “O Príncipe Negro”, que resgata a vida do Príncipe Custódio na coleção Histórias Extraordinárias da RBS/TV, registram algumas particularidades da cultura afro-gaúcha. Ainda destaco o premiado Documentário “Brasil: Eterno Quilombo?”, dirigido por Julio Teixeira, premiado no Festival de Gramado e no EXPOCOM.
A Fundação Piratini do RS apresenta o comunicador Grandmaster Nezzo e sua equipe, no programa Hip Hop Sul da TVE. O programa contempla a cultura hip hop como um todo ao apresentar o grafite, os DJs, a dança e o rap, através de matérias sócio-educativas, entrevistas, clipes, oficinas e serviços de utilidade pública. Em 2006, há mais de 4 anos no ar, o programa já gravou em vários municípios gaúchos, no Rio de Janeiro e São Paulo.
Malu Viana é mulher negra, comunicadora em várias frentes. É membro do Conselho Nacional de Juventude (CONJUV) e da Organização da Frente Brasileira de HIP-HOP/RS. Exalta a juventude e a mulher no Hip Hop, impulsiona a Cufa/RS -Central Única das Favelas do RS e é atuante no programa Confraria Castro Alves, da TV Assembléia (Canal 16 da NET), que foi ao ar em 2005. Ao lado do Profº Waldemar Pernambuco Moura Lima e outros afro-comunicadores, Malu explora vários temas relacionados à cultura negra no programa.
Outros comunicadores afro-brasileiros têm desempenhado um papel importante na mídia gaúcha e brasileira, como por exemplo: Isabel Clavelin (Seppir) e Saroba – com ações na Restinga - Projeto Comunicativa da ACMUN; Oscar Henrique Cardoso – gaúcho na assessoria de comunicação da Fundação Palmares; Silvia Abreu – premiada produtora cultural; Julinho Ferreira – TV Unisinos; Mãe Carmem de Oxalá – Rádio Comunitária em Guaíba; Radialista Pai Áureo; Jones Lopes da Silva – do grupo de editores do jornal Zero Hora; Deivison.Campos – da Rádio Gaúcha; Julieta Amaral – da RBS/TV Rio Grande; Manoel Soares – da RBS/TV Porto Alegre, entre muitos outros.
A Mídia Étnica no Brasil também tem se projetado através da explosão das rádios comunitárias (a partir da década de 90); o início da circulação nacional do Jornal Irohin de Brasília (1995); a primeira publicação da Revista Raça (1996), a divulgação da temática afro-brasileira, incluindo a cultura Hip Hop, em sites da Internet; do programa “Negro em debate” da emissora Rede Vida, a aparição na TV do âncora negro, Heraldo Pereira no Jornal Nacional (2002), desencadeando o processo de exibição de jornalistas negras - âncoras no SBT, na TV Cultura e em outras emissoras.
Assim, esses e outros fatos históricos têm influenciado as análises dos meios de comunicação do Brasil, e deve estimular mais debates no Rio Grande do Sul, sobre a responsabilidade social da mídia em promover a igualdade racial num país com dimensão multicultural dos vários “brasis” .
REFERÊNCIAS & SUGESTÕES DE LEITURAS
ANDREWS, George Reid. Democracia racial brasileira 1900-1990: um contraponto americano. Estudos Avançados. São Paulo: vol.11, n. 30, May/Aug, 1997.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000.
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GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In.: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secad, 2005.
HALL, Stuart. A identidade em questão. trad. Tomaz Tadeu da Silva & Guacira Lopes Louro. 7ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
MUNANGA, Kabengele. A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil. Estudos Avançados [online]. 2004, vol.18, no.50 [cited 21 May 2006], p.51-66.
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PAIVA, R. Minorias flutuantes, novos aspectos da contra-hegemonia. Anais do 24. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Campo Grande/MS, setembro 2001 [cd-rom]. São Paulo: Intercom, 2001.
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SODRÉ, Muniz. Sobre Imprensa Negra. Facom/UFJF: Lumina - v.1, n.1, p.23-32, jul./dez, 1998 - www.facom.ufjf.br
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MELLO, Marco Antônio Lirio. Memória e Negritude: Cultura, Identidade e Cidadania na Imprensa Negra em Pelotas. Pelotas: UFPel, 1992. Projeto de Pesquisa. (mimeo)
VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão – os letrados e a sociedade escravista no Brasil Colonial. Petrópolis: Vozes, 1986.
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ALMEIDA, Guilherme. GOMES, Verônica. IKWA, Daniela. PIOVESAN, Flávia. Curso de Formação de Conselheiros em Direitos Humanos. Ágere Cooperação em Advocacy. Secretaria Especial dos Direitos Humanos/PR. Abril:2006
OLIVA, Anderson Ribeiro. O Ensino da História da África em debate. In.: Curso de Formação de Professores Ensino Afro-Brasil. Ágere Cooperação em Advocacy. Universidade de Brasília/DF: 2005.
Palestra proferida por Sátira Machado, na III Jornada de Estudos Afro-Brasileiros do GT Negros da ANPH, no Memorial do Rio Grande do Sul, em 2005.
Os meios de comunicação têm um papel importante na desconstrução das desigualdades sociais no Brasil que atingem diretamente os afro-brasileiros . No século XXI, já não basta dar visibilidade ao fenótipo negro na mídia. À luz da responsabilidade social, a mídia deve respeitar a história, a memória e a tradição dos afro-brasileiros. Deve valorizar a participação cultural, social e econômica da comunidade negra no desenvolvimento do Brasil bem como, noticiar aspectos positivos do continente africano.
Neste trabalho, ao listar diversas informações, pretendo estimular novas investigações e reflexões sobre a relação entre os afro-brasileiros e a mídia, sem a pretensão de esgotar o tema que é rico, dinâmico, suscita muitas e muitas leituras, mais e mais debates.
MÍDIA NO SÉCULO XXI:
NÓS SOMOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Na sociedade contemporânea, a identidade construída a partir de uma estrutura social, antes determinada pelas mediações tradicionais como a família, a religião, o Estado, a escola e o trabalho, agora é atravessada pela estrutura da mídia, que assume um lugar social ao ditar condutas padronizadas para diferentes populações (PAIVA, 2001).
John Thompson elabora uma teoria social da mídia e salienta que os teóricos sociais têm dado pouca importância ao poder simbólico dos meios de comunicação, que vem transformando o mundo desde a crescente circulação de materiais impressos no século XV até o advento da Internet (THOMPSON, 1998).
Na atualidade, a comunicação é interpretada como um processo simbólico que transforma a realidade. A interação com os meios envolvem reelaborações realizadas pelos sujeitos, influenciados por seus grupos sociais e culturais. Nesse contexto, o sentido de cultura passa a ter relação com a produção de sentidos, deixando de ser apenas recebida, agora considerando o sujeito um agente, criativo, que pratica cultura. Carregada de intervenções, o ambiente da comunicação e da cultura inclui as disputas, os conflitos e os enfrentamentos nas relações de poder de uma sociedade dinâmica e plural.
Conscientes disso, afro-brasileiros comunicam-se cada vez mais e apropriam-se de jornais, filmes, rádios, revistas, vídeos, da televisão e da Internet, entre outros meios de comunicação, para a afirmação da identidade negra.
IMPRENSA NEGRA:
CONTRA O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL
A Imprensa chega ao Brasil em 1808 e desde 1833 os afro-brasileiros editam periódicos para reagir ao mito da democracia racial brasileira, dando visibilidade às questões raciais através de uma imprensa alternativa negra, num contraponto à grande imprensa brasileira.
Nas décadas de 30 e 40, a teoria de Gilberto Freyre sobre a democracia racial brasileira, baseada na miscigenação sexual, era aceita pelos intelectuais da cultura dominante, mas contestada pela imprensa negra. Nos anos 50 e 60, novas concepções da identidade nacional foram estudadas por Florestan Fernandes e revisionistas da Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, questionando o mito da democracia racial. (ANDREWS, 1997).
Os geneticistas têm desmoralizado o conceito de raças. No entanto, o Movimento Negro baseia o conceito de raça na dimensão social e política do termo, uma vez que quando se fala em racismo no Brasil logo se pensa no negro. A discriminação racial brasileira tem relação com aspectos culturais, sociais, econômicos, físicos e estéticos, que atingem diretamente os afro-brasileiros. Construir uma identidade negra positiva na sociedade brasileira, que ensina aos negros que para ser aceito é preciso rejeitar seu jeito de ser, é um desafio para todos os brasileiros (GOMES, 2005).
No exercício de elaboração da identidade negra , ao longo dos anos, os afro-brasileiros publicaram vários jornais. No Rio Grande do Sul, a imprensa negra é legitimada com periódicos como: O Exemplo (Porto Alegre, 1892-1930, num total de 37 anos de publicação), A Cruzada (Pelotas, 1905), A Alvorada (Pelotas, 1907- 1910, 1930 – 1937 e 1946 – 1957), A Navalha (Santana do Livramento, 1931), A Revolta (Bagé,1925), A Hora (Rio Grande, 1917-1934), entre outros (SANTOS, s/d).
Jacira Reis da Silva estuda as mulheres negras e a participação delas na luta por educação através do jornal A Alvorada, de Pelotas. Ela ressalta o papel alternativo desse periódico na formação cultural e educacional da comunidade negra, bem como a presença marcante das mulheres negras na imprensa negra pelotense. Diz que o significado do jornal A Alvorada torna-se ainda maior, na medida em que ele é portador das vozes de mulheres negras, em períodos históricos onde o espaço público, ainda, é predominantemente ocupado por homens brancos (SILVA, 2001).
Ainda no RS, Oliveira Silveira destaca a publicação de informativos de clubes fundados pela sociedade negra, a exemplo de alguns periódicos ligados a Associação Satélite Prontidão, ao Clube Náutico Marcílio Dias e a Sociedade Floresta Aurora. Em 1971, Ano Internacional para Ações de Combate ao Racismo e a Discriminação Racial – ONU, a grande imprensa gaúcha abre espaço para a divulgação da primeira evocação ao "Dia Nacional da Consciência Negra” do Brasil, que foi celebrado na sede do Clube Marcílio Dias, em Porto Alegre. A escolha da data foi fruto de encontros de negros na Rua dos Andradas, que resultou na criação do Grupo Palmares, do movimento negro do Rio Grande do Sul (SILVEIRA, 2003) .
Nas décadas de 70 e 80, Tição é o marco da imprensa negra gaúcha. Redatores como Edilson Nabarro, Irene Santos, Jeanice Viola, Jones Lopes, Jorge Freitas, Oliveira Silveira, Valter Carneiro, Vera Daisy Barcellos, Vera Lúcia Lopes, fotógrafos, ilustradores, colaboradores, editores gráficos e muitos outros comunicadores negros publicam o Tição (Revista 1978 – 1979 e Jornal em 1980), motivando o debate sobre as várias faces da negritude (SILVEIRA, 2005).
DIREITO À COMUNICAÇÃO:
QUESTÃO DE DIREITOS HUMANOS (DH)
A ONU – Organização das Nações Unidas foi instituída em 1945, por vários estados-membros. Em 1948, a Assembléia Geral da ONU aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, um instrumento de proteção dos DH que atribui à “Toda pessoa o direito (...) de buscar, receber e enviar informações”.
Após a Segunda Guerra Mundial (1949) foram criados dois Sistemas Internacionais de Proteção de Direitos Humanos, os sistemas Global e Regionais. Os sistemas encontram-se em reuniões, assembléias, cúpulas e realizam conferências mundiais para receber recomendações dos estados-membros. Elaboram declarações, convenções, pactos, tratados, protocolos, programas de ação e comentários gerais que são adotados por comitês, cortes e comissões responsáveis por análises de petições e publicações de relatórios pertinentes aos DH.
O Sistema Global está ligado às Nações Unidas e os Sistemas Regionais abrangem o Sistema Europeu, o Sistema Africano e o Sistema Interamericano da OEA - Organização dos Estados Americanos. Em 1963, a ONU aprovou a Declaração das Nações Unidas para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (ALMEIDA, 2006).
Desde então, a mídia passa a ser alvo de denúncias contra a violação dos Direitos Humanos. Por exemplo, em 1968, o presidente Lyndon Johnson dos EUA, reconhecendo as ações discriminatórias da mídia estadunidense, recomenda a formação da Comissão Kerner, em prol da preservação dos direitos civis dos afro-descendentes norte-americanos na mídia (CONCEIÇÃO, 2005).
Na década de 70, a ONU patrocinou a publicação do Relatório Mac Bride. Nele, a Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas de Comunicação a respeito da Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação – NOMIC incluiu a diversidade cultural nas questões de mídia. No Brasil, organizações como a CRIS Brasil, Intervozes, Jornal Brasil de Fato, Instituto de Mídia Étnica, Projeto Calaboca Já Morreu, Sociedade Cultural Dombali, entre outras frentes, muito têm trabalhado pelos DH na mídia.
Em 25 de fevereiro de 2005, o presidente da CIDH – Comissão Interamericana de DH da OEA, Clare K. Roberts (negro), criou a Relatoria Especial sobre os Direitos dos Afro-descendentes e contra a Discriminação Racial, passando a recomendar reparações efetivas a cerca da violação dos DH nas Américas . Em junho de 2005, Clare Robert recebeu a comissão de comunicadores afro-brasileiros, presentes na 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. A comissão elaborou um diagnóstico nacional de como a mídia brasileira vem comprometendo a memória e a tradição da comunidade negra.
Em 2005, o ENCONTRO NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS: Direito Humano à Comunicação - um mundo, muitas vozes, realizado pela Câmara dos Deputados (Comissão de Direitos Humanos e Minorias – Fórum de Entidades Nacionais de Direitos Humanos) dá dimensão nacional à reflexão sobre as violações dos direitos dos afro-brasileiros na mídia, que está diretamente relacionado à propagação do racismo nos meios de comunicação brasileiros.
RACISMO NA MÍDIA:
A CONTRA PROPOSTA
Em 1995, por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares, assassinado em 1665, ocorreu a Marcha Zumbi quando o Movimento Negro brasileiro se reuniu na Esplanada dos Ministérios em Brasília, para reivindicar justiça social. Nesse ano, a Folha de São Paulo patrocinou uma pesquisa para medir o grau de preconceito racial do brasileiro, ofuscado pelo mito da democracia racial no país. O caderno especial lançado pela Folha foi chamado de “Racismo Cordial”, denotando a dissimulação do racismo no Brasil, que pode ser medido nas desigualdades sociais que atingem os afro-brasileiros (CONCEIÇÃO, 2005).
Muniz Sodré analisa o papel da mídia em produzir e reproduzir o preconceito, conceituando o racismo midiático. Sodré enumera quatro fatores que efetivam sua análise: 1) a negação, quando a mídia tenta negar a existência do racismo, apesar de noticiar casos de violações flagrantes; 2) o recalcamento, quando a História do negro no Brasil ou nas Américas não é divulgada de forma positiva na mídia; 3) a estigmatização, quando a mídia cria estereótipos que levam a discriminação; e 4) a indiferença profissional, quando a desvalorização – profissional e cultural – do comunicador negro atinge a mídia (SODRÉ, 1998).
Em 2006, por exemplo, a mídia gaúcha veiculou o episódio que envolveu os jogadores do Juventude de Caxias e do Grêmio. Durante a partida, o zagueiro Antonio Carlos ofendeu o jogador gremista Jeovânio (negro), ao referir-se a sua cor. Infelizmente, a mídia tem reduzido o debate sobre as questões que envolvem os afro-brasileiros supervalorizando violações flagrantes como o racismo no futebol ou divulgando debates conflitantes a respeito das cotas.
A imagem estereotipada do negro na teledramaturgia é uma das perspectivas estudadas pelo pesquisador Joel Zito Araújo no livro A negação do Brasil. Ao analisar 174 telenovelas do período de 1964 a 1997, ele aponta o tratamento dado à maioria das personagens negras na tevê, que ainda reforça o mito da democracia racial como mantenedor das desigualdades étnico-sociais no Brasil (ARAÚJO, 2000).
Em 2004, o filme do cineasta Joel Zito, “Filhas do Vento”, recebeu 8 Kikitos no Festival de Cinema de Gramado/RS. As declarações controversas do presidente do júri, Rubens Ewald Filho, que disse ser a prêmiação uma concessão no Estado mais racista do país, fez o elenco sugerir a devolução dos kikitos, chamando a atenção de todo o Brasil para as questões de racismo na mídia.
No XXVII INTERCOM (PUCRS/POA), Dennis de Oliveira e Maria Ângela Pavan apresentaram uma analise da novela Da Cor do Pecado, protagonizada por Taís Araújo na Rede Globo. Ao descrever as estratégias e movimentos das personagens, enumeram possibilidades de relações raciais veiculadas na trama, como: a) ao assumir a identidade racial negra e partir para a confrontação, há uma desqualificação da imagem da personagem através da punição ou isolamento; b) a postura abertamente racista, de segregação e abuso do poder, leva a desvalorização moral da imagem, à vitórias pontuais, mas numa perspectiva de derrota; c) a postura de passividade e de vitimização é assumida pela heroína da história; d) a postura de preconceito velado com possibilidades de abertura, denota tolerância; e) a postura de solidariedade é reforçada por normas morais pretensamente universais (OLIVEIRA, 2004).
Na Internet o racismo é explícito. A Agência Afro-Étnica de Notícias (Afropress) é um projeto da ONG ABC sem Racismo/SP que mantém o site www.afropress.com. A Afropress tem sofrido ataques de hackers racistas que a tiram do ar, ao provocar a lentidão do servidor que a hospeda e divulgam várias mensagens discriminatórias dirigidas ao jornalista Dojival Vieira. O Ministério Público identificou o hacker através de programas especializados de Internet. O criminoso está respondendo processo de racismo e várias entidades de mídia étnica realizaram campanhas de apoio à Afropress.
Na contramão da história da tevê brasileira, a TV DA GENTE foi ao ar no dia 20 de novembro de 2005. A TV DA GENTE é a primeira emissora brasileira que pretende dar ampla visibilidade ao universo dos afro-brasileiros na mídia. O canal é do músico, ator, apresentador e empresário afro-brasileiro José de Paula Neto (Netinho de Paula). O projeto inclui a contratação de uma maioria de profissionais negros, a veiculação da cultura africana e afro-brasileira em sua programação e a divulgação de produtos de consumo para afro-brasileiros. Em maio de 2006, a TV DA GENTE está no ar em São Paulo pelo canal 24 UHF, no Ceará pelo canal 19 UHF (local da concessão do canal) em Portugal pelo canal 8 da operadora Eletrônica Comunicações. Através de antena parabólica, os satélites transmitem para todo o Brasil, para a África, a Europa, parte da Ásia e da costa leste dos Estados Unidos e a transmissão ainda prevê o acesso via WEBTV ONLINE (www.tvdagente.com.br).
MEIOS DE COMUNICAÇÃO:
AÇÕES AFIRMATIVAS
O projeto de Lei Nº 3.198/2000, de autoria do senador Paulo Paim, institui o ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL. O estatuto tem o objetivo de combater a discriminação e as desigualdades raciais, bem como incluir a dimensão racial nas políticas públicas desenvolvidas pelo Estado. O capítulo VIII do estatuto versa sobre os meios de comunicação. Exige que a mídia respeite a herança cultural dos afro-brasileiros, dê visibilidade aos afro-brasileiros, dê oportunidades de trabalho aos comunicadores afro-brasileiros e seja punida se incitar à discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional na mídia (PAIM, 2003).
Em 2000, ocorreram várias reuniões nas Américas sobre iniciativas de combate ao racismo e todas as formas de discriminação. Em 21 de agosto de 2001, foi realizado o Seminário Mídia e Racismo na Universidade Cândido Mendes/RJ. Muitos dos comunicadores, dos profissionais, dos pesquisadores e dos artistas que participaram desse encontro representaram o Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban na África do Sul, entre 30 de agosto a 7 de setembro de 2001 .
Em janeiro de 2003, a Lei 10.639/2003 entrou em vigor. De autoria do deputado Ben Hur Ferreira e da deputada Esther Grossi, a lei torna obrigatório “o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira”, “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil” e dá outras atribuições. A Lei 10.639/2003 tem mobilizado várias frentes, inclusive projetos de mídia, multiplicando as ações afirmativas em benefício da comunidade negra brasileira .
Criada em março de 2003 e ligada diretamente ao Governo Federal Brasileiro, a SEPPIR - SECRETARIA ESPECIAL DE POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL deu status de ministra à militante negra Matilde Ribeiro. De forma transversal, a ministra passou a influenciar todos os ministérios nas mesas de negociação, em prol da promoção da igualdade racial em várias áreas, impulsionado reflexões também na América Latina. A SEPPIR é uma conquista do Movimento Negro do Brasil e promove a igualdade racial da comunidade negra, mas também das comunidades indígena, cigana, árabe-palestina e judaica.
Entre várias outras ações, a SEPPIR mobilizou todos os Estados do Brasil ao propor a realização de conferências estaduais para a eleição de delegados que participaram da 1ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – 1ªCONAPIR, em 2005. A SEPPIR e a Sub-Comissão de Comunicação da 1ªCONAPIR convidaram vários comunicadores, jornalistas e voluntários que atuam em meios de comunicação voltados para o público negro para a cobertura do evento. Os eixos temáticos da conferência nacional não previam um grupo de trabalho sobre políticas para a mídia. No entanto, tais comunicadores formaram um GT de Mídia Étnica e articularam a moção e o manifesto contra o apartheid midiático no Brasil. No documento, estabelecem diretrizes de comunicação a serem incluídos no Plano Nacional da Igualdade Racial, aprovados na plenária da Conferência.
Em 2005, Ano Nacional de Promoção da Igualdade Racial, a SEPPIR também lançou o projeto A Cor da Cultura (www.acordacultura.org.br), em parceria com a Petrobrás, o Cidan - Centro Brasileiro de Identidade e Documentação do Artista Negro, a TV Globo e a Fundação Roberto Marinho, por meio do Canal Futura.
No programa Ação da TV Globo, o apresentador Serginho Groisman passou a exibir várias reportagens sobre a cultura afro-brasileira, como por exemplo, as ações da ONG Maria Mulher em bairros de Porto Alegre. A ex-Big Brother Brasil I, Vanessa Melani Pascale Ekpenyong passou a ser a apresentadora infantil (negra) do projeto A cor da Cultura no Canal Futura. Nele, a série Livros Animados traz lendas e contos africanos e afro-brasileiros, além da produção dos principais autores e ilustradores nacionais, para crianças de todo o Brasil.
Vale ressaltar, que as múltiplas ações do Movimento Negro têm multiplicado a implantação de secretarias, assessorias e coordenadorias instaladas em órgãos públicos municipais, estaduais e federais para atender a demanda da promoção da igualdade racial, e que essas também incluem a temática da mídia em suas agendas.
ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS:
A HORA E A VEZ DA ACADEMIA
Desde 1947, escolas de jornalismo são criadas no Brasil e posteriormente escolas de cinema e publicidade. Em 1960, as faculdades de comunicação surgem no ensino superior, incluindo as áreas de relações públicas, editoração, rádio e televisão. Em 1977, nasce a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), que ao longo dos anos tem motivado os pesquisadores a estudarem temas relacionados à mídia, à diversidade cultural e ao direito à cidadania.
Há anos, o jornalista e antropólogo Iosvaldyr Carvalho Bittencourt reflete sobre a invisibilidade do negro na mídia gaúcha. Ele foi um dos pioneiros a debater o tema nas salas de aula da Famecos - Faculdade de Comunicação da PUCRS, onde era professor (negro). Ele acredita que as escolas de comunicação são um importante instrumento de desconstrução do racismo na sociedade brasileira, para além das cotas.
No Brasil, segundo o Ministério da Educação, existem 324 cursos de jornalismo. Porém, somente nas últimas décadas, os estudos do negro na mídia são institucionalizados na academia com o Grupo de Estudos em Mídias e Etnicidades, da Faculdade de Comunicação (Facom), da Universidade Federal da Bahia (criado em 1997); o Grupo Mídia e Etnia, da ECA/USP (criado 2002); e o Departamento de Estudos Culturais e Mídia (GEC), do Instituto de Artes e Comunicação Social (IACS), da Universidade Federal Fluminense (criado em 2003), propiciando um impacto científico.
O Grupo Mídia e Multiculturalismo, coordenado pela Profª Denise Cogo, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Unisinos, também inclui pesquisas sobre a relação entre a mídia e os afro-brasileiros. No Google, aparecem cerca de 117 núcleos de estudos sobre os afro-descendentes nas Universidades dos EUA (Historically Black American Colleges and Universities/USA). No Brasil, existem cerca de 30 centros de estudos com a temática do negro em várias áreas do conhecimento, que vem se multiplicando a cada ano. Os primeiros foram o Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao), da Universidade da Bahia (1960); o Centro de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade Cândido Mendes/RJ (1973); e o Centro de Estudos Africanos, da USP (1978) (OLIVA, 2005).
OS GAÚCHOS E A MÍDIA:
GUERREIROS & GUERREIRAS
Em 1987, Susana Ribeiro e Juarez Ribeiro criaram o Cecune - Centro Ecumênico de Cultura Negra, em Porto Alegre. Desde então, são protagonistas no projeto Universidade Livre - Curso de Cidadania e Reconstrução da identidade Étnica; realizam mostras de cinema e vídeo com o recorte étnico negro; editam o Jornal Como é (1995 – 1998); publicam a Revista Conexão Negra (a partir de 2003); montam espetáculos musicais com gravação do repertório em CDs; mantém o coral Cecune Comunicação; realizam oficinas de produção de bonecas e artigos étnicos; e marcam presença na tradicional Feira do Livro de Porto Alegre, disponibilizando livros da temática do negro, inclusive bibliografias de comunicação, na Banca do Cecune.
Em 2001, foi criado o Núcleo de Jornalistas Afro-descendentes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul. Santa Irene e Jeanice Ramos impulsionaram a criação do núcleo gaúcho, que já conta com um cadastro de 64 comunicadores sindicalizados. Em 2004, Vera Daisy Barcellos, Vera Cardoso, Silvia Abreu, Everton Costa (Tom), entre outros comunicadores, não mediram esforços para realizar I Seminário O Negro na Mídia: a invisibilidade da cor, em Porto Alegre, para debater os reflexos do preconceito na mídia. O núcleo do RS mantém interlocuções com a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas/SP (Cojira –SP) e com a Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Sindicato dos Jornalistas/RJ (Cojira-RJ), também para a inclusão da temática na agenda nacional da Federação de Jornalistas.
O documentarista , radialista e DJ Claudinho Pereira muito tem contribuído com a divulgação da cultura afro-brasileira para os gaúchos. O documentário “Ilha Negra”, sobre as congadas da comunidade da região de Osório-RS - Terno de Maçambique e o documentário “O Príncipe Negro”, que resgata a vida do Príncipe Custódio na coleção Histórias Extraordinárias da RBS/TV, registram algumas particularidades da cultura afro-gaúcha. Ainda destaco o premiado Documentário “Brasil: Eterno Quilombo?”, dirigido por Julio Teixeira, premiado no Festival de Gramado e no EXPOCOM.
A Fundação Piratini do RS apresenta o comunicador Grandmaster Nezzo e sua equipe, no programa Hip Hop Sul da TVE. O programa contempla a cultura hip hop como um todo ao apresentar o grafite, os DJs, a dança e o rap, através de matérias sócio-educativas, entrevistas, clipes, oficinas e serviços de utilidade pública. Em 2006, há mais de 4 anos no ar, o programa já gravou em vários municípios gaúchos, no Rio de Janeiro e São Paulo.
Malu Viana é mulher negra, comunicadora em várias frentes. É membro do Conselho Nacional de Juventude (CONJUV) e da Organização da Frente Brasileira de HIP-HOP/RS. Exalta a juventude e a mulher no Hip Hop, impulsiona a Cufa/RS -Central Única das Favelas do RS e é atuante no programa Confraria Castro Alves, da TV Assembléia (Canal 16 da NET), que foi ao ar em 2005. Ao lado do Profº Waldemar Pernambuco Moura Lima e outros afro-comunicadores, Malu explora vários temas relacionados à cultura negra no programa.
Outros comunicadores afro-brasileiros têm desempenhado um papel importante na mídia gaúcha e brasileira, como por exemplo: Isabel Clavelin (Seppir) e Saroba – com ações na Restinga - Projeto Comunicativa da ACMUN; Oscar Henrique Cardoso – gaúcho na assessoria de comunicação da Fundação Palmares; Silvia Abreu – premiada produtora cultural; Julinho Ferreira – TV Unisinos; Mãe Carmem de Oxalá – Rádio Comunitária em Guaíba; Radialista Pai Áureo; Jones Lopes da Silva – do grupo de editores do jornal Zero Hora; Deivison.Campos – da Rádio Gaúcha; Julieta Amaral – da RBS/TV Rio Grande; Manoel Soares – da RBS/TV Porto Alegre, entre muitos outros.
A Mídia Étnica no Brasil também tem se projetado através da explosão das rádios comunitárias (a partir da década de 90); o início da circulação nacional do Jornal Irohin de Brasília (1995); a primeira publicação da Revista Raça (1996), a divulgação da temática afro-brasileira, incluindo a cultura Hip Hop, em sites da Internet; do programa “Negro em debate” da emissora Rede Vida, a aparição na TV do âncora negro, Heraldo Pereira no Jornal Nacional (2002), desencadeando o processo de exibição de jornalistas negras - âncoras no SBT, na TV Cultura e em outras emissoras.
Assim, esses e outros fatos históricos têm influenciado as análises dos meios de comunicação do Brasil, e deve estimular mais debates no Rio Grande do Sul, sobre a responsabilidade social da mídia em promover a igualdade racial num país com dimensão multicultural dos vários “brasis” .
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ANDREWS, George Reid. Democracia racial brasileira 1900-1990: um contraponto americano. Estudos Avançados. São Paulo: vol.11, n. 30, May/Aug, 1997.
ARAÚJO, Joel Zito. A negação do Brasil: o negro na telenovela brasileira. São Paulo: Senac, 2000.
RAMOS, Silvia. (Org.) Mídia e Racismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2002.
CONCEIÇÃO, Fernando. Mídia e Etnicidades: no Brasil e nos Estados Unidos. São Paulo: Livro Pronto, 2005.
GOMES, Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil: uma breve discussão. In.: Educação anti-racista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. Brasília: Ministério da Educação, Secad, 2005.
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MUNANGA, Kabengele. A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil. Estudos Avançados [online]. 2004, vol.18, no.50 [cited 21 May 2006], p.51-66.
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